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EVOcAÇÕEs











                                                 O “Figuinhos”


                                                                                                QUEIRóS DE AzEVEDO
                                                                                                       19440286




              egundo os meus expeditos cálculos, ter-se-ão passado   – Grande Golo! Vou-te já dar um doze a matemática e se
           Snão menos de quarenta e sete anos desde a última vez   meteres outro assim, levas um quinze!
           que  tive  a  satisfação  de  falar  com  o  Fernando  Joaquim   Espantado  fiquei  eu  ao  ver  o “Figuinhos”  puxar  por
           Orestes Gonçalves, ex-aluno 19410334 nascido em Trás-   uma caderneta (que todos nós bem conhecíamos de as ver
           -os-Montes, em 1928. Portanto este “rapaz” estará agora   nas aulas nas mãos dos professores) e zás… escrevinhar
           com os seus 83 anos bem contados.                  nela um alfa + 2 correspondente aos doze valores que os
              Esse nosso fortuito encontro ocorreu na baixa de Lis-  professores  averbavam  quando  queriam  dar  essa  nota  a
           boa, quando já éramos ex-alunos há uma boa meia dúzia   algum aluno.
           de anos e ali nos cruzámos por mero e feliz acaso, duran-  Mas menos espantado fiquei quando reflecti que a nota
           te um dos intervalos entre as quatro comissões de serviço   fora a matemática, que tinha como professor o “cavalão”,
           que prestei no ultramar, durante a guerra colonial.  também conhecido por “palmitatos” e por “entrudo”, que
              Devido a este esporádico contacto fiquei a saber que   infelizmente, em minha opinião, bem merecia estas alcu-
           o Orestes Gonçalves era então 1º Sargento e que a vida   nhas por ser um péssimo professor, quer de Matemática,
           lhe corria normalmente, o que, aliás, condizia com o com-  quer de Noções Gerais de Comércio, quer de Geografia,
           penetrado aspecto que eu gostosamente estava a constatar,   que muito destoava da excelsa gama de professores que,
           o qual nada tinha a ver com o inusitado “Figuinhos”; al-  na generalidade, conheci durante os nove anos em que fui
           cunha que lhe conhecera no Pilão! E muito embora ele   aluno do Pilão.
           fosse uns três anos mais velho do que eu, como                  Aliás, vou contar-vos, ainda em relação ao
           era cordato para com os mais novos podíamos                  “Figuinhos”,  embora  já  não  me  lembre  bem
           comportarmo-nos  perante  ele  com  toda  a                  porquê, uns quantos alunos mais novos fomos
           naturalidade  da  nossa  irrequieta  juventude.              assistir à prova oral de um exame de geografia
           No entanto “aventura” que ele protagonizasse,                do curso dele, tornando-se necessário esclarecer
           recordo-me  que  normalmente  saía-lhe  do                   que o rapaz tinha partido os óculos na véspe-
           “pelo”, como é de boa gíria dizer-se quando o                ra e ia para o exame munido de um pedaço
           “tiro” nos sai pela culatra!...                              de uma das lentes que conseguira “salvar”! E,
              E creio valer a pena relatar resumidamente duas pas-  então, quando chegou a vez dele ser examinado, o profes-
           sagens  interessantes  a  que  assisti  e  que  me  ficaram  na   sor (que era precisamente o “cavalão”) mandou-o ir a um
           memória  por  também  tão  inusitadas  que  eram!  Senão   dos mapas que estavam dependurados na ampla parede da
           vejamos  a  peripécia  ocorrida  durante  um  corriqueiro   sala onde decorria o exame. Mapa esse também bastante
           desafio  de  futebol,  daqueles  em  que  os  jogadores  eram   grande  e  amplamente  colorido,  tendo  várias  inscrições  a
           escolhidos alternadamente, a passos contados, para cons-  negro, e então o “palmitatos” perguntou-lhe o que é que
           tituírem as equipas adversárias; e em que se jogava com   em Madagáscar de maior valor se produzia?
           uma bola trapeira ou, quanto muito, com a bola de bor-  E  logo  o  “Figuinhos”,  percorrendo  minuciosamente
           racha de um qualquer dos participantes.            o mapa, utilizando o pedaço de lente referido, deteve-se
              Pois bem, enquanto decorria o jogo foi-se aglomeran-  em  determinada  localização  do  dito,  esquadrinhando
           do alguma assistência entre a qual se encontrava também   as letras pretas, e foi soletrando lentamente em voz alta:
           o “Figuinhos”. O jogo foi evoluindo sem golos até que com   pe…ró…las!
           uma  avançada  fulgurante  do  José  Jerónimo  Moreira,  o   A gargalhada geral produzida pela assistência fez com
           19420258, grande ginasta, magnífico tocador de harmó-  que esta fosse imediatamente expulsa da sala e o “Figui-
           nica  bocal  e “um  chamado  gajo  porreiro”,  numa  jogada   nhos”, por aquela e por outras respostas semelhantes …
           individual  fulgurante,  dribla  uns  quantos  adversários  e   infelizmente chumbou!
           remata à baliza metendo um magnífico golo que arrancou   Chumbou  e,  infelizmente,  não  pôde  continuar  a  ser
           da assistência uma grande salva de palmas acompanhada   aluno  dos  Pupilos  porque  já  era  repetente  no  chumbo!
           de entusiásticos elogios verbais. Então surge o “Figuinhos”   Nunca mais soube dele mas dele fiquei com boas recordações
           a gritar pelo Jerónimo, chamando-o à sua presença, ao que   da sua maneira de ser, descontraída e afável para todos os
           o Jerónimo, encontrando-se bastante perto do local, logo   colegas. Oxalá ainda se encontre octogenário de boa saúde
           anuiu, para ouvir dizer, pela voz animada do “Figuinhos”:   e disposição, porque lá simpático e desenrascado era ele!


                                                                             Boletim da Associação dos Pupilos do Exército  |  25
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