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mor, no seu restaurante, com as suas raram como que a tentar matar to- A partir de agora, vamos viajar
cores garridas de verde e com o or- dos os que se encontravam lá den- pelo interior de Timor, seguindo
gulhoso leão de pedra à porta. tro. O Sr. João contou-me, com muita sempre os caminhos percorridos
Voltando à cidade, notam-se al- tristeza marcada na face, que o san- pelo meu pai. Vamos, nesta fase, via-
guns melhoramentos, tanto nas ruas gue corria pelo chão com abundân- jar pela orla marítima em direcção a
como nas infra-estruturas e nas ha- cia. Estando ali, durante momentos, leste para a região Lorosae.
bitações. Vai ser longo este caminho senti o pânico e o medo daquelas Antes do caminho para leste, fo-
de reconstrução e de novas constru- centenas de jovens abatidos sem dó mos visitar os locais onde os milita-
ções. nem piedade. res portugueses estiveram instala-
Das casas destruídas, há uma que Falou-me da coragem de pessoas, dos. Começamos por Taibesse, onde
existe que é simbólica a que os timor nos momentos de grande aflição, se encontrava o Quartel-general e os
enses chamam carinhosamente o como foi o caso do jornalista Max de infantaria. Tudo está destruído,
“Palácio das Cinzas”. Stanhl que, em cima do arvore próxi- só tem partes de paredes em pé. Se-
Mesmo destruído e queimado, mo do cemitério, filmou toda esta guimos para Lahane, onde se encon-
sem portas e janelas e com a água a tragédia e mostrou-me a campa onde trava o hospital central e a materni-
entrar pelo telhado, foi utilizado pelo escondeu as películas, estas mesmas, dade no tempo colonial. Estão desac-
presidente Xanana Gusmão, após a que correram mundo e que obrigou tivados e agora servem para arma-
independência e, durante anos, para muitos países a sensibilizarem-se zéns. Tenho dificuldade em perceber
o seu trabalho governamental. Tem com este crime que ajudou a mudan- porque está fechada e estragada uma
um grande significado. ça de orientação da politica sobre Ti- estrutura muito importante e que faz
Visitei a catedral de Dili, os bair- mor. Quem teve a coragem, naqueles muita falta a este país. Lá vimos a
ros residenciais, o das embaixadas, o momentos agitados, vigiados pela placa de inauguração deste hospital
centro da cidade e também os bair- polícia politica, foi a Sasha Komen- pelo governador Óscar Ruas em 1947
ros problemáticos, como por exem- berg, que foi ao cemitério fortemente e a placa da inauguração da materni-
plo o de Becora. guardado, e retirou a cassete levan- dade em 1967.
A embaixada de Portugal, encon- do-a para fora do país, com risco da Próximo neste local, está o Palá-
tra-se numas instalações pouco dig- própria vida cio do Governador, no tempo dos
nas mas, como me disseram, é provi- Na realidade, em Timor, houve portugueses. Não está habitado, mas
sória. No entanto o governo timoren- um massacre, que vemos pouco real- está em óptimo estado de conserva-
se, cedeu um esplêndido terreno no çado e que devia ser cada vez mais ção. Fui informado, que estão a adap-
centro da cidade, junto ao palácio go- valorizado. Durante a ocupação dos tá-lo para futuras instalações do pre-
vernamental, onde existe uma placa indonésios foram assassinadas cer- sidente da república.
que diz “Futuras Instalações da Em- ca duzentas e cinquenta mil pessoas Seguimos para Dare, onde esta-
baixada Portuguesa”, dizem que está numa população de um milhão. vam instaladas as tropas australia-
lá há anos... Como resultado deste crime, a po- nas na segunda guerra mundial e
Estivemos no cemitério de Santa pulação é muito jovem. hoje tem um memorial com muitas
de Cruz, onde falei com o Sr. João,
que é o responsável por ele. Contou-
me como foi a tragédia neste cemité-
rio que culminou com o massacre
dos jovens que correu mundo e que
deu um forte empurrão para a inde-
pendência.
Dias antes os indonésios assassi-
naram um jovem de nome Sebastião
Gomes.
Esta morte indignou, com grande
veemência, os jovens e os estudan-
tes.
Passados alguns dias houve uma
manifestação, que se dirigiu para o
cemitério, para o homenagear. Os
militares deixaram entrar os jovens
e depois cercaram o cemitério. A
partir deste momento, os militares
começaram a metralhar para dentro
do cemitério. Parte dos jovens as- O Palácio das Cinzas é uma legenda viva da história de Timor intimamente ligada ao
sustados contra esta barbárie, es- fervor nacionalista do Presidente Xanana Gusmão que lá trabalhou em prol de ideias
conderam-se dentro da capela. Os que hoje evocamos nestas páginas.
militares chegaram à porta e dispa- Um Palácio a preservar e a estimar intensamente.
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