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rotasse os muçulmanos em Santarém (o que se
           verificou em 1147) - “O alto clero pedia para si a
           riqueza da nobreza senhorial”. A influência de
           São Bernardo junto à Cúria Romana e a necessi-
           dade de Afonso Henriques ser reconhecido pelo
           Papa como Rei de Portugal (que ocorreu em 1153)
           não seriam alheios aos interesses em jogo. Rui
           Rasquilho falou-me do fracasso da segunda cru-
           zada (1146-1149), com a derrota dos cristãos em
           Damasco e Édessa, do livro “O elogio da nova
           milícia”,de Clarival. O santo foi afinal um senhor
           da guerra, milícia…pensei. Rui conhece o Mos-
           teiro, pedra por pedra, bem como as suas histó-
           rias, grande parte constantes do livro “Cister e a
           Europa - Santa Maria de Alcobaça – Aliança en-
           tre  a  espiritualidade  e  o  trabalho  manual”,  de
           sua autoria e de Maria Augusta T. Ferreira.
              “Vamos almoçar?”, perguntou-me ele.
              E fomos ao “Café Trindade”, antigo celeiro do
           Mosteiro, depois loja de ferragens e restaurante
           desde 1924. Olhei à volta, o ambiente, as mesas,
           o dono, senhor António e a mulher do dono dois
           passos atrás. O restaurante parecia um cenário
           de  filme  de  Francis  Ford  Copolla  ambientado
           nos anos quarenta. Sentámo-nos. “O Salazar vi-
           nha aqui almoçar”, disse a mulher do dono do
           restaurante, “as sardinhas sabiam tão bem nes-
           sa altura, lembras-te?”, disse o marido, e acres-
           centou:  “lembro-me  quando  o  Alves  Barbosa
           ganhou uma etapa da Volta a Portugal em frente
           ao Mosteiro, lembra-se senhor doutor?”. “Perdiz
           na púcara?”, “Lembra-se de quando a rainha de
           Inglaterra  passou  por  aqui,  senhor  doutor?”,
           “Pão – de - ló? Feito na casa” , “Nesse tempo não
           havia auto-estrada, era a estrada nacional, lem-
           bra-se senhor doutor?”. O restaurante é um dos
           melhores  da  região,  Salazar  gostava  de  comer
           bem, pensei.
              À saída, Rui Rasquilho convidou-me para o
           almoço  comemorativo  dos  seus  quarenta  anos
           de  casamento,  “quarenta?”  (ele  confirmou  com
           um gesto de cabeça), na sua casa em Aljubarro-
           ta, que na decoração contém a história da vida
           do  casal,  Marrocos,  Brasil…e  uma  extensa  bi-
           blioteca contrariando os princípios de Clarival:
           “encontrarás  mais  nas  florestas  do  que  nos  li-
           vros; as árvores e os rochedos ensinar-te-ão coi-
           sas que nenhum mestre te dirá.”
              Foi um dia bem passado. Afinal o Mosteiro de
           Alcobaça é muito diferente da Catedral de Char-
           tres, é uma construção cisterciente, cisterciente
           repeti alto para não me esquecer da palavra, en-
           quanto guiava na auto-estrada de volta a casa.
           Onde iria ver na televisão (lembro-me agora) os
           Jogos  Olímpicos,  o  espectáculo  dos  atletas  em
           lugar dos guerreiros na estrutura de aço da nova
           catedral do presente, o “Ninho de Pássaro”.



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