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Crónicas         PORTUgUESES NO ORIENTE                                              AS CRISES


                                   De carvoeiro nas ruas de Lisboa … a Rei, no Oriente!         Europa está em crises.
           … na linguagem do atletismo chamamos a estes altos saltos, de  salto à vara!         Todo o Mundo está em
                                                                                                crises.  Muitas  delas
                     atam de 1511 as primeiras   algumas  dezenas  de  portugueses,             interligadas e interde-
                     trocas comerciais entre os   centenas de mon e alguns bayingys,   A pendentes.  Locais,  re-
                     portugueses  e  os  povos   (estes  últimos,  mestiços  de  portu-  gionais,  intercontinentais,  mun-
                     do litoral do Golfo de Ben-  gueses),  resistem  a  dois  colossais                diais! E, quem
           Dgala, principalmente com            cercos do rei de Arakan. Após as vi-                    sabe  se,  tam-
           os mon da costa leste. Entre os vá-  tórias  os  mon  nomeiam  Salvador                      bém  univer-
           rios reinos por lá existentes o mais   Rybeiro de Sousa, Rei de Pegu.                        sais. E de tan-
           importante era o de Pegu. Com o tra-    Regressado  Filipe  de  Brito  a  Si-                tas  espécies:
           tado de paz e comércio assinado por   rião, recebe este de Rybeiro de Sou-                   económicas,
           António  Corrêa  e  o  rei  de  Pegu,   sa, através de uma troca de favores,                 f a m i l ia r e s ,
                            Bayin  Naung,  as   o trono de volta. Consigo traz ainda                    politicas,  am-
                            trocas  intensifi-  o título de capitão de Sirião e de ge-                  bientais,  epi-
                            cam-se e por vol-   neral da conquista do Pegu atribuí-                     démicas,  se-
                            ta  de  1556,  as  ri-  dos pelo Vice-Rei Aires de Saldanha.   Teodoro Rita  gurança, cren-
                            quezas da Birmâ-    Em 1608 Filipe de Brito Nicote vê-se         (19400043)  ças,  valores,
                            nia  atraíam  não   glorificado  com  a  carta  de  nobre  e                matérias-pri-
                            só os mercadores    brasão atribuídos pelo mal querido   mas, riscos atómicos, escassez de
                            portugueses  de     rei Filipe II.
                            Malaca  que  ali       Esta rápida ascensão a estes car-  águas,  excesso  populacional,
                            demandavam  as      gos de relevo e o direito a um título   guerras, etc., etc., etc. Como alar-
          Cândido Azevedo   afamadas madei-     (ontem como hoje forma de afirma-    mam os pessimistas e os misera-
                 (19600364)  ras, cereais e pe-  ção pessoal e de legitimação do esta-  bilistas  que  não  querem  deixar
                            dras   preciosas,   tuto, embora oriundo de mãos pou-    trabalhar os sábios, os infalíveis,
           mas  também  os  aventureiros  que,   co limpas) deslumbraram Filipe de   os que, iguais a Deus, nunca se en-
           como mercenários, se colocavam ao    Brito, habituado à miséria e pobreza   ganam! Nem os outros, «benemé-
           serviço dos diferentes reinos.       das  ruelas  de  Lisboa,  onde  a  peste   ritos da Pátria», que com desvela-
              Um desses aventureiros foi o por-  campeava e se sentia no dia a dia a   do  oportunismo,  passam,  a  vida
           tuguês Filipe de Brito e Nicote, que   opressão  espanhola.  Deslumbrado   nos  engrandecedores  jogos  do
           cansado da vida de pobre diabo que   com o poder em si próprio, com os    piãozinho «Tira, Põe, Deixa e Ras-
           levava por Lisboa e da sua profissão   novos conhecimentos, com a subser-  pa»…
           de carvoeiro, e, deslumbrado com as   viência do povo mon, com as mordo-    Nas abençoadas terras de San-
           histórias que ouvia sobre as rique-  mias e os cargos que podia distribuir   ta Maria, onde vive o «povo eleito
           zas do Oriente, para lá parte nos fi-  pelos  amigos,  acabou  por  enredar   do Senhor» que somos nós, portu-
           nais do século XVI. De aventura em   para uma via de saques e roubos a    gueses, e não os convencidos isra-
           aventura vem a servir Min Raza Gyi,   monumentos  budistas,  principal-   elitas,  não  há  crises!  Tudo  corre
           o rei de Arakan, poderoso reino ma-  mente o do enorme sino sagrado de    pelo  melhor.  Sem  sobressaltos
           rítimo, senhor de toda a costa leste   Dhammazedi,  do  pagode  de  Shwe-  nem preocupações. E se as crises
           de Bengala, que se revoltara contra o   dagon,  pelo  que,  derrotado  em  Se-  se  aproximam,  sorrateiramente,
           poderoso  Pegu  governado  pelo  rei   tembro de 1613 pelo rei de Arakan,   assim como quem não quer a coi-
           Nanda  Bayin.  Derrotado  este  em   este não lhe perdoou a traição e os   sa, graças à genialidade e vigilân-
           1599, e tendo Filipe de Brito demons-  roubos,  sendo  condenado  a  uma   cia  dos  nossos  iluminados  e  cul-
           trado uma enorme bravura e habili-   morte cruel: ao empalamento.         tíssimos  dirigentes  e  políticos,
           dade, o rei de Arakan nomeia-o nes-     Como  ontem,  hoje,  quantos  dos
           se mesmo ano Governador da cidade    nossos dirigentes de origem humil-   logo se renovam os milagres das
           de Sirião (Syriam), o porto mais im-  de,  limitada,  de  existência  quase   rosas. E saímos delas ainda antes
           portante de Burma.                   obscura,  não  se  deslumbram  com   de entrarmos! E as crises passam
              Em  1600,  ambicioso,  Filipe  de   estes enormes saltos para o poder e   como sol pela vidraça.
           Brito revolta-se contra Min Raza Gyi   não  só  (na  linguagem  do  atletismo
           a quem servira, e vitorioso, estabele-  chamamos a estes altos saltos de sal-
           ce o seu reino em Thanlyin, com a    to  à  vara),  passando  a  viver  como   N.R. - É com muito prazer que
           capital em Sirião. Em 1601 vai a Goa   que  um  conto  de  fadas,  onde  tudo   registamos o entusiástico regres-
           para se colocar à disposição do Vice-  reluz,  deixando-se  posteriormente   so do magnífico Teodoro Rita, de
           Rei D. Aires de Saldanha e pedir re-  perturbar…?                         grande devoção “pilónica”, desde
           forços. Na sua ausência, chefia o rei-  Como? Se ainda as estamos cum-    sempre. Oitentão, de grande luci-
           no  seu  companheiro  de  aventuras   prindo....!!                        dez, é para continuar. Salvé!
           Salvador Rybeiro de Sousa que com



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