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Crónicas         PORTuGuESES nO ORIEnTE




                                       A BOA MúSICA E A MÁ MúSICA

                 abemos que muitos por-     musical que se assemelha ao piano
                 tugueses,  por  variadas   e  ao  tempo  novidade  na  China.
                 razões,  se  destacaram    Para  o  ouvirem  acorriam  multi-
                 no  Oriente.  Um  caso     dões. Assim nos relata ele: “Colo-
       Sraro  e  certamente  des-           cou-se este ano na igreja e seu pá-
       conhecido da maioria foi o do pa-    teo, para evitar desordem dos gen-
       dre jesuíta Tomás Pereira, natural   tios; e da muita turba que concurria
       de São Martinho do Vale, em Vila     a  ver,  e  ouvir  cousa  nunca  vista
       Nova  de  Famalicão.  Este  jesuíta   nem  ouvida  em  sua  corte:  sendo
                        fez a sua forma-    obrigado o auctor a tanger mais de
                        ção religiosa em    hum  mez  inteiro  cada  dia  muitas
                        Goa e tornou-se     horas,  e  muitas  dellas  a  cada  4º
                        numa       figura   para dar vasão a muita gente que
                        marcante da so-     corria e se renovava a cada quarto
                        ciedade  da  sua    de hora...Cousa notável foi o aballo
                        época. Em 1672,     que fez nesta Corte o som do nosso
                        já  em  Macau,  é   órgão nos ouvidos dos gentios…”
                        chamado à cida-       Neste  momento  em  Portugal
                        de  imperial,  em   estamos todos a ouvir muita e va-
      Cândido Azevedo                                                            P. Tomás Pereira, monumento em Famalicão
             (19600364)  Pequim,    pelo    riada música, música essa inicia-
                        Imperador Qing      da em Junho e que promete durar     sempre com proveito actual. Mas
                        Kangxi     (1654-   até lá para os finais do ano, pois o   a minha vizinha, que não gosta de
       1722), porque este veio a saber dos   arraial da política há muito se ini-  nada à inglesa, garante que quem
       seus dotes e qualidades morais e,    ciou.  Os intérpretes,  muitos e de   vai  estar  “na  berra”  será  nova-
       particularmente, pela sua  perícia   todas  as  cores,  de  tudo  nos  tem   mente a brasileira Gal Costa, pois
       e habilidade rara para a …música!    cantado, e nós, desconhecendo se    cativante  será  a  sua  voz  em  can-
       O jovem religioso, a quem foi dado   os  seus  dotes  e  qualidades  serão   ções  como  “Mil  perdões”,  “Dom
       o nome chinês Xu Risheng, foi não    idênticos aos do padre Tomás Pe-    de  Iludir”,  ou  aquela  que  tanto
       só professor de música do Impera-    reira, pouco a pouco vamos dando    nos marcou, que nos punha a ju-
       dor Kangxi e, porque com ele pri-                                        rar e que amiúde nos lembramos
       vou  entre  1673  e  1708,  foram-lhe   «Foi o padre Tomás Perei-        a “Só louco”. Confesso que não te-
       atribuídas outras funções entre as                                       nho preferência por canções bra-
       quais  a  de  intérprete-conselheiro     ra responsável pela             sileiras,  embora  não  desgoste  do
       no  Tratado  Sino-Russo  de  Ner-       introdução da música             “Começar tudo outra vez” do Gon-
       chinsk (1688-1689) e a de adminis-                                       zaguinha,  mas  prefiro  mais  can-
       trador do Calendário do Observa-         europeia da China»              ções nacionais e aí a minha prefe-
       tório Astronómico de Pequim.                                             rência recai nos Xutos e Pontapés,
          Foi o padre Tomás Pereira res-    conta da sua perícia e habilidade,   para fugir à música “pimba” que
       ponsável pela introdução da mú-      rara ou não, para “nos darem tal    todos os dias me malha. E, porque
       sica europeia na China, tendo pu-    música”. Será boa? Será má? A ver   são momentos festivos, por esses
       blicado em 1713 em língua chinesa    vamos,  pois  lembrados  estamos    arraiais,  para  além  dos  cantores,
       o primeiro tratado de música oci-    de outras canções de outras épo-    têm  aparecidos  palhaços  a  faze-
       dental. No Palácio Imperial de Bei-  cas.  Dizia  um  amigo  meu,  que   rem rir, charlatães a prometerem
       jing, para além de músico e conse-   uma  canção  queria  ele  esquecer   truques  e  adivinhas,  uns  tantos
       lheiro foi também um inventor de     porque  se  cansou  do  folclore,  a   travestis  de  última  hora  e  uns
       “maquinetas”,  pois  construiu  di-  “Eu fui no Tóróró”. Outro amigo,    poucos  equilibristas,  pensando
       versos  relógios  musicais,  tendo   ainda  surpreendido  com  as  “cai-  por que lado da corda sairão. En-
       feito para o Imperador uma esfera    xas de Pandora” em que as insti-    fim, será um final de ano em cres-
       celeste musical que com sinos to-    tuições  portuguesas  se  transfor-  cente  festivo.  Será  o  carrossel  da
       cava melodias chinesas.              maram, principalmente os Bancos     política,  em  mais  umas  voltas,
          Este  sacerdote  era  um  exímio   e  Fundações  preferia  a  “Where   neste arraial lusitano. Há que par-
       tocador de cravo, um instrumento     the  boys  are?”,  bem  antiga,  mas   ticipar. Vamos a ele!



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