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Evocações DRAMáTICO INCIDENTE
ocorrido nA sAgrEs, durAntE
A ViAgEm do mEu curso dE cAdEtEs.
omo sabem, finalizei o humor. A propósito, posso contar dos à magnífica praia Oriental a
curso do Pilão em 1949 aqui uma pequena história de que operação terminou com um re-
e concorri à Escola Na- nunca me esqueci. frescante banho de mar.
val com outros ex-alu- A zona dos camarotes tinha ao Não pensem que a vida de bor-
Cnos. Fomos admitidos, centro um grande salão, coberto do era fácil. Não era mesmo!
nesse ano, cinco: eu, o Santos Do- por uma carpete de cairo feita na Estávamos sempre com aulas
mingues e o Sebastião Aparício Fábrica Nacional de Cordoaria. de ginástica, a subir e a descer aos
para o Curso de Administração Todos os dias um marinheiro es- mastros e a derivar para os lais
Naval e o Perneco Bicho e o Fer- tava encarregado de manter limpo das vergas. A fotografia 2 mostra
reira Marques aquele espaço. Quando o varria, o que fazíamos, embora nessa foto
para o Curso de algumas vezes, para ter menos sejam marinheiros que estão nas
M a q uinis tas trabalho e como se julgava um es- vergas. A fotografia 3 mostra um
Navais. Infeliz- pertalhão, em vez de apanhar o dos altos mastros e a 4 o convés do
mente, o Aparí- lixo com a pá, levantava uma pon- navio tirada do topo do mastro
cio e o Marques ta da carpete e metia-o para debai- grande. Arriávamos e recolhía-
já nos deixa- xo. Um dia, quando levantou a re- mos as velas redondas (foto 5), o
ram. ferida ponta iam-lhe caindo “os que não era nada fácil e exigia um
O que vos es- ditos” ao chão!! Estava lá um pa- grande equilíbrio, pois o afasta-
tou a contar pel escrito e assinado pelo Ime- mento pelas vergas, onde encostá-
H. Lola dos Reis
(19410159) deve ser do co- diato que o avisava para não vol- vamos as barrigas, era feito com
nhecimento ge- tar a repetir a “graça”, pois as con- os pés apoiados num cabo que es-
ral dos ex-alu- sequências seriam muito desagra- tava preso junto ao mastro e na
nos mais antigos, mas pode ser dáveis para ele. Este procedimen- extremidade da verga (de que não
considerado uma introdução a to mostra uma das facetas do nos- me recordo o nome) e, portanto,
uma história verídica que aconte- so Imediato Tengarrinha Pires!! fazia um arco e balançava bastan-
ceu na nossa primeira viagem, Devido à austeridade que fre- te. Na fotografia 2 pode ver-se,
que poderia ter custado a vida a quentemente atingia a Marinha, a perfeitamente, esse cabo por de-
um marinheiro mas que, pela mão nossa viagem, de 27 de Maio a 30 baixo das vergas. Para alguns ca-
de Deus, acabou por ter um final de Agosto de 1950 (já lá vão 60 detes essa obrigação era um di-
feliz. No entanto e a “talhe-de-foi- anos!...), não foi à “volta do mun- vertimento mas, para outros, um
ce”, posso contar alguns peque- do”. Não permitiu mais do que as autêntico suplício. E ninguém se
nos, mas engraçados, episódios escalas em Lagos, Funchal, Porto podia negar!
de que me lembre. Santo, S. Vicente de Cabo Verde, A Sagres era um navio com o
O nosso Curso era constituído Horta, Ponta Delgada, Leixões e, casco em ferro, mas com o convés
por 23 Cadetes (foto 1). Lá estão os como porto estrangeiro, El Ferrol, em tábuas corridas de madeira
cinco ex-alunos que referi. É só na Galiza. bem grossa. Pois quem o esfrega-
tentar encontrar naquelas caras Logo à partida, a velha Sagres va e lavava éramos nós, pobres ca-
jovens os traços, com mais 60 navegou durante quase todo o dia detes (foto 6) e a roupa interior era
anos, que hoje temos. Ao centro, ao largo de Cascais, para que fos- também lavada por nós (foto 7).
sentado, está o Comandante do sem filmadas cenas do filme Quando navegávamos para
velho N. E. “Sagres”, Cap. Ten. “Eram duzentos irmãos”, eviden- Leixões, a cerca de 100 milhas da
Santiago Ponce, homem muito ex- temente, com autorização do Es- costa, tivemos de suportar um
periente no comando daquele na- tado-Maior de Armada. enorme temporal, daqueles que
vio-escola. Respeitado, calmo e Em Porto Santo, realizou-se assustam mesmo. O vento, que vi-
justo. Como Imediato, que não um “desembarque”. de farda de nha da popa, era tão forte que o
está na referida fotografia, tínha- cotim de marinheiro. A “força”, comandante mandou recolher
mos o 1º Ten. Tengarrinha Pires, completamente armada, atraves- todo o pano, excepto as velas da
um homem enérgico, corajoso, sou a ilha em marcha, o que não proa para permitir uma certa ca-
exigente, não admitindo que nin- foi fácil, devido ao peso que trans- pacidade de manobra. O navio na-
guém tivesse os seus pertences portávamos e passou a noite vegava somente com o vento que
desarrumados, (“agranelados”, acampada na costa Ocidental lhe batia nos mastros, nas vergas
como dizemos na Marinha), mas onde, na manhã seguinte, foi cele- e nas enxárcias, chegando, mesmo
também com um certo espírito de brada Missa Campal. Regressa- assim, a atingir uma velocidade
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