Page 12 - Boletim APE_216
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Evocações PALAVRAS SOLTAS - I
o Boletim anterior con- nalidades como um dos meus pro- Gomes (1860/1941), personalida-
cluí uma sucessão de fessores de Matemática, capitão de cujo percurso cívico teve di-
dez crónicas com a de- Pimentel, de nome completo, Ar- mensão nacional, pois além de es-
signação genérica de tur Ferrão Pimentel da Costa. Era critor fluente, foi diplomata e esta-
N“No Pilão. Encontro bom professor, afável e delicado dista, tendo exercido o cargo de
com o passado”. Cada crónica no trato. Exalava sempre o odor presidente da República de 1923 a
contava numa linguagem simples suave de um perfume discreto e 1925. E porque me refiro a literatu-
e compreensível, uma história au- agradável ao olfacto. Outro pro- ra, exprimo aqui o meu pesar por
tónoma, tendo como centro a casa fessor que marcou presença cons-
que nos congregou como comuni- tante em 3 dos 4 anos que passei
dade e nos preparou para os desa- no Pilão, foi o capitão Botelho de
fios do futuro. Oliveira que ensinava Óptica e era
Escrever esse torvelinho de re- como que director do curso. Trata-
cordações, foi va-se de uma pessoa cordata e de
jornadear pelos fácil comunicabilidade. Outra per-
caminhos dis- sonalidade silenciada nas minhas
tantes da juven- crónicas anteriores foi o capitão
tude, vencendo Alves Ribeiro, um dos três docen-
as densas bar- tes de Português que tive no IPE.
reiras do tempo Não se tratava de um pedagogo
e da memória. E exemplar e era pessoa um tanto
foi também um melancólica, mas dava-nos a ler
olhar reverente textos de Aquilino Ribeiro, exímio
Licínio Granada Aquilino Ribeiro
(19490154) para um certo prosador e cultor do Português
passado e para moderno, que me habituei a admi-
aqueles que co- rar desde então. a pedagogia actual ter reduzido o
migo se cruzaram na caminhada estudo da nossa literatura e dos
ansiosa da vida, senão também nossos escritores, o que desvalori-
uma forma de me ver, a mim pró- «porque me refiro a lite- za e refreia a formação duma cons-
prio, em tão distante espaço tem- ciência cultural portuguesa. É
poral. Confesso que se tornou ne- ratura, exprimo aqui o uma realidade tanto mais lamen-
cessário algum exercício mental e meu pesar por a pedago- tável quanto a aprendizagem
gosto pela narrativa para descre- duma língua estrangeira – o in-
ver cenários e personagens cuja gia actual ter reduzido o glês, se tornou obrigatória a partir
recordação resistiu obstinada- dos primeiros anos do ensino bá-
mente à usura do tempo, essa for- estudo da nossa literatu- sico. Retornando a Manuel Teixei-
ça poderosa que no seu permanen- ra e dos nossos escrito- ra Gomes, devo sublinhar o facto
te fluir goiva os homens e delapida de este notável cidadão, na quali-
a memória. Naqueles escritos evo- res, o que desvaloriza e dade de presidente da República
quei os dois directores que tive no refreia a formação duma ter visitado o nosso Instituto em
Instituto e alguns professores de 1923 e também em 1925, ano em
quem consegui recordar algo que, consciência cultural que renunciou à chefia do Estado,
a meu ver, merece ser contado. Fo- em 10 de Dezembro. A propósito,
ram todos eles nomes ilustres que portuguesa» lembro-me bem de que no meu
serviram o Pilão com dedicação e tempo de aluno, os então presi-
empenho. Poderei ainda dizer que, dentes Óscar Carmona e Craveiro
de modo geral, conservo uma ima- A lembrança de mestre Aquili- Lopes, também terem visitado o
gem mais grata dos oficiais docen- no Ribeiro traz-me à memória dois Pilão, onde foram acolhidos com
tes do que dos não docentes. É na- outros escritores, seus émulos apreço e respeito. Eram figuras do
tural. Os professores encontra- que, tal como Aquilino, elevaram a Estado Novo que souberam hon-
vam-se em termos pessoais e afec- expressão escrita a um nível de rar a memória da 1ª República, vi-
tivos mais perto de nós, alunos, e apurada beleza literária, pela ele- sitando o nosso Instituto. Mas
eram eles que, comprometidos na gância e singularidade do estilo como o tempo passa e a vida muda,
causa do ensino, nos transmitiam com que escreveram. Refiro-me a termino este despretensioso texto
o bem precioso do saber. Manuel Mendes (1906/1969), es- questionando-me, curioso: E na
De entre os professores omiti- critor e escultor, num acertado co- actualidade, que altas figuras do
dos no meu persistente escrevi- núbio da literatura com a escultu- Estado distinguem os Pupilos do
nhar, posso também citar perso- ra. E estoutro, Manuel Teixeira Exército com a sua visita?
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