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EVOCAÇõES


           o TerraMoTo



           José lopes | 19620124







              a madrugada do dia 28 de Fevereiro de 1969, uma 6ª Feira, dormia   2  –  Não ouvi o solo roncar antes e durante o abalo. Ou isso
           Nprofundamente  numa  das  camaratas  do  primeiro  andar  do  alto   não foi perceptível nalguns locais ou o sono profundo não mo auto -
           edifício da 3ª Companhia, quando fui surpreendido com algo inespe-   rizou.
           rado.                                                 Este  tremor  de  terra  ter-se-ia  sentido  cerca  das  3  horas  e  40
              Senti a cama a balançar suavemente, ouvi uma sinfonia ruidosa   minutos. Por isso, tenho dúvidas quanto à hora dos factos que “vivi”
           provocada pelos armários individuais de folha metálica a abanar em   na cama, pois lembro-me de uma razoável claridade fora da camarata,
           uníssono e despertei repentinamente do sono. As primeiras coisas que   não  compatível  com  um  dia  de  Inverno,  àquela  hora.  Seguiram-se
           distingui foram a silhueta do tecto, um silêncio tranquilizador e alguns   várias réplicas, com destaque especial para uma, que assustou mui-
           colegas  a  levantarem-se.  Apesar  de  total  inexperiência,  tive  a  cons-   tas pessoas e as fez sair de suas casas. Terá sido este outro abalo,
           ciência de que ocorrera um sismo.                  verificado mais tarde [desconheço a hora], que nos acordou? Se sim,
              Vozes várias foram-se tornando audíveis e a palavra “terramoto”,   porque  passaria  despercebido  o  abalo  principal?  Não  faz  muito
           solta por alguém, uniformizou a causa da interrupção do sono retem-  sentido!
           perador das actividades da véspera.                   3  –  Talvez alguém possa oferecer um relato mais seguro e com -
              Alguns  saíram  apressadamente  e  dirigiram-se  às  escadas  para   pleto…
           descerem para a rua. Outros não mostraram qualquer
           interesse  nisso.  Como  estava  tudo  normalizado,
           calcei calmamente as alpercatas e apenas transpus
           a porta da camarata. Não me lembrei das frequentes
           réplicas, às vezes também perigosas.
              Do  alto,  observei  o  piso  do  espaço  entre  as
           instalações  das  3ª  e  4ª  Companhias,  preenchido
           com  uma  dúzia  de  alunos  excitados,  expondo
           mutuamente as suas impressões sobre o inoportu-
           no  acontecimento.  Dada  a  exiguidade  do  espaço
           para o efeito, presumo que também eles não toma-
           ram em conta as réplicas referidas.
              Depois, veio-me à ideia que, se o abalo tivesse
           maior duração ou maior intensidade, as camaratas
           ter-se-iam, inevitavelmente, transformado em tem-
           porárias  sepulturas  colectivas.  E  sem  aviso  ou
           possibilidade de defesa! Esse pensamento alertou-
           -me para a fragilidade humana e incutiu-me respei-
           to pelos fenómenos violentos da Natureza.
              Desconheço a extensão dos “estragos” causados
           no efectivo do Batalhão Escolar e não me lembro
           como foi reposta a normalidade até à hora do toque
           de  alvorada.  Tão  pouco  recordo  se  me  voltei  a
           deitar.

           Notas:
              1  –  A curiosidade e o desejo de aprender dos
           meus 17 anos, levaram-me a seguir atentamente as
           notícias  na  comunicação  social  durante  muito
           tempo.  Apesar  de  as  informações  apresentarem
           algumas divergências de pormenor, os factos e as
           imagens divulgadas revelaram-me a extensão, os
           sobressaltos e as restantes consequências do sinis-
           tro.



               BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO DOS PUPILOS DO EXÉRCITO                                              41
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