Page 7 - Boletim APE_222
P. 7
evocações
rUi cABrAL TeLo
19480265
A “Separeja” e o ratito companheiro
ra verão e decorriam as férias de ponto do final do 1º Um ratito, esperto e ousado, resolveu sair do buraqui-
Eano de contabilistas. A família passava férias na casa de to e explorar os restos de comida deixados no prato. O
verão na Ericeira. A “miúda” ficara na sua terra, não a natal “prisioneiro” ali chamado eufemísticamente de “separado”,
mas a de residência desde os quatro anos e, portanto, mais passou parte do tempo a pensar como caçá-lo. Com o
sua do que aquela onde nascera. Agora, ali estava, morto por “calhandro” e um papel construiu uma armadilha colocan-
ir ter com amigos e a namorada e, aqueles exames chatos e do um pouco de comida em cima. O bicho, desconfiado,
inoportunos nunca mais tinham fim. Tinha de passar de ano, não queria e teimava não ir buscar o repasto, mas, a fome
para no ano seguinte, mal terminasse, concorrer à Escola do é negra, não resistiu e acabou por saltar para cima do
Exército, opção que tinha tomado, por conta própria. papel e foi cair dentro do calhandro não conseguindo sair.
Para chatear, ainda por cima, tinham inventado uns Com paciência de cão, umas festas no pelo e uns nacos de
estágios, normalmente na Manutenção Militar ou nas Ofi- comida, foi amansando o roedor que, devido ao bom tra-
cinas de Fardamento. A ele tinham-lhe calhado estas últimas. to, começou a acalmar e passado uns tempos já cirandava
Todos os dias, munido dos bilhetes de eléctrico que lhe pelo exíguo espaço, sem fugir do captor, indo comer em
eram fornecidos, rumava até ao campo de Stª Clara onde cima da mesa com todo o despudor.
o punham a conferir senhas e cupões de fornecimentos e Todos os dias, ao almoço e jantar, um empregado leva-
facturas diversas. E o verão ali tão perto, na sua Ericeira, -lhe as refeições abrindo a porta com uma chave amarela,
com aquelas belas praias à sua espera e aquelas miúdas artefacto abridor de uma fechadura de duas voltas numa
lindas, que muitas vezes faziam esquecer a sua lá na terra. velha porta com folgas bastantes para se poder espreitar
No dia seguinte era sexta-feira. Nas OGF não dariam falta para fora. No segundo dia, depois de lá deixado o almoço,
dele. Se melhor pensou melhor o fez, resolveu faltar e o empregado saiu e fechou a porta, mas, o “prisioneiro” do
rumar até ao Oeste. lado de dentro, com um dedo empurrou a chave de modo
Já junto dos Pais, que estranharam vê-lo por ali mas após que esta não conseguia dar a segunda volta apesar dos
umas loas bem contadas ficaram convencidos da legalidade esforços do dedicado servidor. Com uma volta apenas,
do facto, ficou todo o fim-de-semana e também a 2ª feira. fácil foi com o auxílio da faca do almoço, fazer saltar a
Era normal, depois dos fins-de-semana em casa, irem direc- lingueta pouco inserida na fechadura. E assim se passou
tos às OGF, sem terem de passar pelo Pilão e, certamente, um dia e meio numa semi-liberdade, brincando e jogando
ninguém comunicaria a sua falta. O pior foi que, tendo com os companheiros da camarata anexa. Às horas das
passado a sexta, todo o fim-de-semana e a segunda fora, refeições, o recluso metia-se no seu cubículo e tornava a
não lera a ordem de serviço e, portanto, não tomara conhe- fechar-se, agora já com o auxílio de uma chave de parafu-
cimento de uma nomeação para a guarda de honra à ban- sos que entretanto lhe arranjaram. À noite, após o recolher
deira no domingo anterior. Claro que devido à falta, a se- e umas quantas jogatinas, lá regressava ao seu “quarto”
cretaria do pilão indagou junto das OGF e ficou sabendo privativo, onde o amigo roedor lhe fazia companhia até ao
da não comparência do estagiário na sexta e segunda-feira. sono chegar.
Chamado ao Comandante da Companhia, não teve Esses três dias de separação tiveram como consequência
outro remédio senão confirmar a falta cometida. Já tinha mais uns quantos dias perdidos de férias grandes em que
tido várias que lhe valeram uns fins-de-semana sem saída. teve de permanecer no Pilão quando todos já tinham ru-
Agora, com esta acumulação de faltas a coisa piorara e, mado às suas “chantas”. Todos não, alguns também castiga-
certamente, nada de bom o esperava. E assim aconteceu. dos fizeram-lhe companhia, entre eles o 19470229 – Victor
A punição, saída e lida na ordem de serviço, lá estava es- Sousa, infelizmente já falecido e o 19480225 – Peres Neves
carrapachada e severamente punitiva; três dias de separa- este bem vivinho e ainda bem. O Peres Neves deve lembrar-
ção. Bolas! Lá foi o penteado. Cabelo à “éca” e três dias se bem, passámos algum tempo a esperar os comboios,
fechado num cubículo horroroso com uma mesa e uma donde um amigo da irmã da minha “miúda” à época, atira-
cama. Não seria por isso que o moral iria abaixo. va maços de Três-Vintes e Hihg-Life , para podermos
Uns livros, uns mosquitos, uns cavaleiros andantes, matar o vício. Assim se passaram algumas desventuras que
escondidos ou passados pelos amigos através da pequena não traumatizaram, antes pelo contrário, serviram para
janela basculante, bastante alta mas não o suficiente para exacerbar a criatividade contornando os obstáculos.
gente inventiva e determinada. Belos Tempos!
Boletim da associação dos PuPilos do exército 5