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cróNicas
câNDiDo De AzeVeDo
1960.0364
Portugueses pelo oriente
Piratas, aventureiros e malfeitores: os de ontem e os de hoje….
Como o Cícero, de ontem, perguntarão os portu- mai, reino a Norte de Ayuthia, a bonita capital. O pacto
gueses, já não a Catilina, mas a estes novos piratas firmado com Portugal trouxe muitas vantagens ao povo
e aventureiros de hoje: “quousque tandem abutere, siamês, que com a nossa ajuda militar, consegue derrotar
patientia nostra? outro povo inimigo, os Birmaneses, que teimavam em
atacar a capital. Assim outros capitães se destacaram no
Fugindo à confusão do Ano Novo Chinês, mais uma Golfo de Bengala. Permito-me referir aqui Martim Afonso
vez me refugiei na praia de Tai Muang, na Tailândia, co- Jusarte, Diogo Pereira (defensor da capital e amigo de S.
nhecida pela alvura das suas areias e cristalinas águas. À Francisco Xavier), Domingos de Carvalho e Manuel de
minha frente o Mar de Andaman, na imensidão do Golfo Mattos, sendo estes dois últimos eleitos, na segunda déca-
de Bengala. O rebentar das ondas traz-me à memória da do século XVI, fidalgos da Casa Real, pela bravura
histórias da minha infância, histórias bonitas e então… dou demonstrada nestas águas.
comigo a relembrar as histórias do herói Sindbad, o ma- Mas, infelizmente, os portugueses que deixaram marcas,
rinheiro, que navegando por estas águas, sempre em buscas mais duradouras, na memória colectiva das gentes do
de novas aventuras e tesouros perdidos, passa a vida em Golfo de Bengala, e pela negativa, foram os feringi nome
permanente luta contra ladrões, traidores e ….sempre local dado aos piratas, bandidos e mercenários portugueses,
envolvido em algum romance. aventureiros deslumbrados com as riquezas, mordomias e
Mas estas águas, outrora, foram também sulcadas por qualidade de vida que os seus roubos, saques e raptos lhes
alguns capitães portugueses, valorosos comandantes e permitiam. Os mais conhecidos foram Damião Bernaldes,
conselheiros militares, ao serviço do Império Português. O Sebastião Gonçalves Tibau e seus descendentes.
primeiro deles foi Duarte Fernandes, que enviado por Porque a região de Chiangmai veio a ser a fonte de
Afonso de Albuquerque, logo após este tomar posse de discórdia entre os reinos de Myanmar (Birmânia) e o Sião
Malaca a 24 de Agosto de 1511, estabelece relações ami- (Tailândia), as guerras entre birmaneses e siameses perdu-
gáveis com o rei de Sião (Tailândia), comprovando as raram ao longo de décadas e, nesses conflitos era comum
qualidades diplomáticas de Albuquerque. O rei siamês haver portugueses a lutarem contra outros portugueses
Tibodi II recebe amigavelmente aquele enviado português defendendo reinos opostos: uns por nobre causa, outros
e até autoriza a fundação da primeira feitoria em terras por egoísmo pessoal ou tendência insaciável pelo despo-
siamesas (meramente para fins comerciais, pois Malaca tismo e poder.
dependia do arroz que vinha do Sião), e a liberdade de No Portugal de hoje os maiores piratas e aventureiros,
evangelizar. Em troca pedia armas, munições e homens antes, de existência quase obscura, agora catapultados para
capazes de manusear estas técnicas militares demasiado as revistas cor de rosa e não só, mas também por arranjos
avançadas para o exército tailandês, em guerra com Chiang- políticos, e que, deslumbrados pela qualidade de vida de
Lisboa, mordomias e cartões VIP, gastam aos milhões. Não
usando espadas nem viajando em frágeis caravelas, mas
usando aquilo que as empresas públicas sacam a um povo
já quase falido, assustado, inseguro e degradado, alguns (e
a título de exemplo) viajando em jactos particulares pro-
curam, “com vozes vindas de Castela”, calar esse povo que
ainda tenta segurar uma democracia, embora adoentada e
debilitada.
E isto é tão verdade que basta ler o que certo juiz de
Aveiro deduziu e que alguém com coragem, e por bem,
publicou! Como o Cícero de ontem, perguntarão os portu-
gueses, já não a Catilina, mas a estes novos piratas e aventu-
reiros de hoje: “quousque tandem abutere, patientia nostra?
4 Boletim da associação dos PuPilos do exército