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Evocações  COnVERSAS A DOIS                                                                          evocações



 O NOSSO DIRECtOR ALFREDO FERREIRA GONçALVES  degradado.  Acabou  com  as  ruínas,   derar que tinha razão
       pintou e reparou todas as instalações.   mas  sugeria-lhe  que
       Fez novas salas de aulas, ajardinou a   fosse  pedir  desculpas
 rande  Homem  este  nosso   EFG – Em família, não era tanto,   critório  e  ia  espreitar  e  lá  estava  ele   1ª secção. Modificou todo o vestuário   pelo insulto ao reitor e
 Director  Alfredo  Ferreira   em especial quando éramos crianças,   agarrado  aos  papéis.  Foi  uma  época   dos alunos, melhorou a alimentação,   ao professor, o que ele
 Gonçalves.   mas já em adultos, era mais exigente   difícil para nós, pois quase que não ti-  criou as melhores condições para que   nunca fez, e era só ca-
 Esteve  ininterrupta-  comigo. Na família, a educação e o res-  nha tempo para a família.
 Gmente, dezasseis anos, à   peito não eram palavras vãs. Era mui-  JL- E as férias como eram passa-  todos se sentissem mais confortáveis.   pitão!
       Mudou  muita  coisa,  na  verdade,  os
                                              JL  –  Como  é  que
 frente  do  nosso  Instituto.  Para   to amigo da família e recordo com sau-  das?  Pupilos  precisavam  de  um  homem   viu o 25 de Abril?
 premiar  a  sua  competência,  teve   dade os passeios aos domingos ao jar-  EFG – Teve sempre grande preo-  como  ele.  Tinha  muita  aceitação  no   EFG – A princípio
 durante  toda  a  sua  vida  militar   dim, quando nos levava um de cada   cupação com a família. Quando está-  Ministério e em especial junto do Mi-  acolheu bem, mas de-
 bastantes  medalhas,  condecora-  lado. Tinha bastante humor, mas fora   vamos  em  Coimbra,  íamos  sempre   nistro Santos Costa.  pois  não  concordou
 ções e louvores.  da família era um pouco sisudo. Na al-  para a Figueira da Foz, até à altura em   JL – Acha que foi a pessoa certa   com o caminho que se
 Veio  a  falecer   tura a vida era difícil e o meu pai era o   que a minha mãe se sentiu mal e o mé-  Com dois alunos e com Barroso Júnior e Fernando Pimenta da APE
 a 15 de Setembro   único que trabalhava, mas ele tudo fez,   dico nos aconselhou uma praia mais   para aquele lugar na altura?  seguiu.
          EFG – Como disse atrás o Instituto
                                              Na festa do aniversário do Institu-
 de  1996,com  95   para que não nos faltasse nada e que   suave e passamos a ir para a Nazaré.   precisava de grandes mudanças e foi a   to, em 1975, a meio da cerimónia houve   da lá foi o Pires Veloso, também um
 anos de idade.  tivéssemos  bastante  conforto.  Vivia   Fomos para lá até 1982, altura em que   pessoa certa no lugar certo. A titulo de   uma cena que lhe desagradou muito e   professor de quem não me recordo o
 Para nos falar   para a família. Fez toda a vida militar   o meu pai começou a sentir um cansa-  nome  e  o  padre  Rui.  Foram  poucos.
 dele,  pedimos  a   em Coimbra no Regimento de Artilha-  ço anormal e lhe foi diagnosticado um   exemplo,  o  pai  falava  com  orgulho,   veio  para  casa  muito  incomodado.   Durante algum tempo, ainda se foi en-
                                            Houve um aluno, que na parada, co-
       quando deu ordem para que os móveis
 colaboração ines-  ria de Coimbra até vir para os Pupilos.   problema de coração, que o levou a ser   ficassem abertos e sem cadeados. Ele   meçou aos gritos e de forma generali-  contrar  com  colegas,  todas  as  sema-
 timável  da  Se-  Quando veio para Lisboa, a sua amiza-  submetido a uma operação onde lhe   soube que havia muitos roubos devido   zada,  a  chamar  “fascistas”.  Não  foi   nas,  no  supermercado  militar.  Mas
 nhora  sua  filha   de aos pais era tão sólida que ia vê-los   foi colocado um “pacemaker”. Ele fu-  aos móveis estarem fechados e tomou   para ele, pois já não estava nos Pupi-  também  essas,  foram  diminuindo,
 José Lencastre   D.  Élia  Ferreira   todos os fins de semana a Coimbra.  mava muito e isso contribuiu para este   a decisão certa. A partir dessa altura   los, mas ficou muito indignado e nun-  pois esses amigos foram falecendo.
                                                                                   JL – O que pensava ele da politi-
 (19540319)  Gonçalves que se   JL – Quando é que vieram para   problema.  deixou de haver este problema. Na mi-  ca mais lá voltou.
 disponibilizou   Lisboa?  JL – O que pensava ele dos Pupi-  nha opinião, teve um grande efeito psi-  Outra vez que me recorde, quando   ca?
 em  se  deslocar  à   EFG – No ano de 1955, quando foi   los?                     EFG – Não gostava mas respeitava.
 nossa Associação.   promovido a Tenente Coronel e como   EFG  –  Tinha  os  Pupilos  como  a   cológico. Dedicou-se por completo ao   passávamos férias na Nazaré, no perí-  Como  era  muito  íntegro  nunca  quis
                                            odo antes da revolução, chegou a ouvir,
       Instituto e foi sempre muito discipli-
 não tinha vaga em Coimbra, foi convi-  prioridade da sua vida e deu muito de   nador, tanto para os professores como   da  parte  de  alguns  cadetes,  que  ia   beneficiar em nada. Quando lhe fize-
 JL – Da sua vida profissional já   dado  pelo  Ministério  para  ingressar   si para a sua recuperação. Nessa altu-  ram,  uma  homenagem  ao  deixar  os
 temos algum conhecimento e assim,   no  Instituto  como  Sub-Director.  O   ra o Ministério pensava fechar o Insti-  para os alunos.   acontecer qualquer “coisa”, mas nunca   Pupilos  do  Exercito,  no  discurso  de
          Penso que não houve um director
                                            acreditou. Não foi afectado pela revo-
 gostaria que  falasse da parte fami-  meu pai estava um pouco renitente em   tuto  e  ele  trabalhou  dia  e  noite  para   com tantas preocupações como ele pe-  lução.  Quando  saiu  do  Instituto,  foi   agradecimento, referiu “que o que mais
 liar e afectiva.  aceitar o convite, mas como as condi-  que isso não acontecesse e teve que en-  rante o Instituto.  trabalhar para a Doca pesca de manhã   honrara foi ter entrado pobre e saído
 EFG – O meu pai veio de família   ções eram boas, devido a poder trazer   frentar  grandes  dificuldades,  pois  os   pobre, mas com dignidade.
          JL – Como era a relação com o pa-
 modestas mas muito unida. Era mui-  a família e poder morar nos Pupilos.   seus superiores não pensavam como   dre Rui? Parecia muito boa.  e à tarde dava explicações de matemá-  JL – Não era uma personalidade
                                            tica. Depois da revolução, saiu da Doca
 to amigo dos pais e irmãos. Teve dois   Assim, viemos eu, a mãe e o pai. O meu   ele. O meu pai, foi o grande defensor   EFG – Era boa. Esta amizade deve-  pesca e só ficou a dar explicações. Gos-  de procurar benesses?
 irmãos  e  uma  irmã.  Todos  tiraram   irmão, que já tinha tirado o curso de   da continuação do Instituto e o respon-  se à proximidade à nossa casa, porque   tava de estar sempre ocupado e a tra-  EFG – Nunca pediu nada para ele.
 cursos  superiores,  tendo  os  irmãos   engenharia,  ficou  em   ambos viviam no Instituto. O meu pai   balhar. Foi assim até ao fim da vida.  Com  o  Ministro  Santos  Costa,  por
 sido  engenheiros.  Por  aqui  se  vê  a   Coimbra.  Recordo  que  o   tinha com ele uma relação normal. O   Sobre as questões sociais era muito   exemplo, dava-se bem mas só profis-
 amizade  e  a  união  da  família,  pois   meu irmão Túlio, já fale-  padre  Rui  chamava  à  minha  mãe  a   solidário.  sionalmente. Era muito fechado para
 houve muito esforço dos pais, que ti-  cido, foi professor no Ins-  “mãe Emília” e a mim a “mana Élia”.   JL – tinha muitos amigos em Lis-  as pessoas fora do ambiente familiar.
 nham  poucos  recursos  financeiros,   tituto na cadeira de mate-  Ele frequentava a nossa casa.  boa?  Nunca foi da situação no tempo da di-
 para  garantirem  um  futuro  melhor.   mática. Para mim, não foi   JL – O facto do padre Rui ser o fi-  EFG – Não tinha muitos, talvez de-  tadura. Era um profissional.
 Andou no liceu de Coimbra e de se-  nada  bom e  eu até dizia   lho do General Correia Leal teve in-  vido a ter vivido no Instituto. Não ti-
 guida frequentou os dois anos da fa-  que tinha uma “costela de   fluência nessa relação?  nha tempo para amizades, só de dedi-  Tenho a agradecer à D. Élia Ferrei-
 culdade, que na altura era o prepara-  militar”.  Em  Lisboa,  o   EFG – O meu pai tinha uma perso-  cou aos Pupilos e não pensava em mais   ra  Gonçalves  a  disponibilidade  e  a
 tório  para  o  ingresso  na  Escola  da   meu  pai  tornou-se  mais   nalidade forte e não aceitava nem fazia   nada.  simpatia  que  disponibilizou  à  nossa
 Guerra. Aluno brilhante e com gran-  austero. A família sofreu,   pedidos.  Era  anti-cunha.  Foi  assim   Realço que aquelas alterações que   Associação, para falar de seu pai, uma
 de  apetência  para  as  matemáticas  o   pois houve da parte dele,   toda a sua vida. Uma vez, teve um pro-  existiram nos Pupilos, de sua iniciati-  grande figura a quem nós, ex-alunos
 que  se  veio  a  revelar  no  futuro.  In-  uma grande entrega para   blema com um professor da faculdade   va, foram também devidas, por viver   dos Pupilos do Exercito, nos curvamos
 gressou no exército na arma de arti-  a  resolução  dos  muitos   em  Coimbra,  que  andava  sempre  a   lá dentro e assim sentir de uma manei-  perante a sua memória.
 lharia.  Durante  o  tempo  que  estive-  problemas  que  foram   chumbar o meu irmão, por persegui-  ra muito especial os problemas exis-  Na véspera das Comemorações do
 mos em Coimbra, também foi profes-  aparecendo  nos  Pupilos   Dr. Elia Gonçalves e José Lencastre  ção e não por ser mau aluno, pois foi   tentes.  Centenário  dos  Pupilos  do  Exército,
 sor da matemática no colégio Luis de   e nessa altura a família ficou um pou-  sável pela reforma que garantiu os no-  sempre  brilhante.  O  meu  pai,  falou   JL – Depois de sair do Instituto, já   recordamos o Coronel Alfredo Ferrei-
 Camões. Casou, teve dois filhos e foi   co  para  trás,  pois  ele  só  pensava  no   vos cursos de engenharia. O seu sonho   com ele e exigiu que se retractasse e   com setenta anos para onde foi vi-  ra Gonçalves como uma figura maior.
 sempre um bom pai, presente e extre-  Instituto.  Estava  sempre  a  trabalhar.   era limitar as diferenças entre os Pupi-  também deve de ter dito coisas que não   ver?  Estamos  orgulhosos  e  agradecidos,
 moso.  Não  sabem  o  que  ele  teve  que  lutar   los  do  Exercito  e  o  Colégio  Militar  e   lhe agradaram, pois participou o suce-  EFG – Eu acompanhei-o e fomos   pela sua enorme vontade de ter dado
 JL – Quando estive nos Pupilos,   para tornar os Pupilos uma escola mo-  conseguiu. Ficou muito satisfeito em   uma nova vida ao Instituto, naqueles
 sempre achei que o seu pai era muito   derna e com os cursos médios de enge-  ter conseguido a reforma do Instituto.   dido ao Secretario do Exército que era   viver para a Venda Nova.  tempos difíceis.
       o Santos Costa. Eu ainda tenho a carta
                                              JL – Nessa altura recebia pessoas
 austero.  Com  a  família  também  o   nharia.  Às  vezes,  chegava  a  acordar   Além disso, empenhou-se na recons-  que  o  Santos  Costa  lhe  escreveu,  di-  ligadas ao Instituto?
 era?  durante a noite e ver a luz acesa do es-  trução do Instituto que estava muito   zendo que o não o castigava, por consi-  EFG – Nos primeiros tempos, ain-  Bem-haja o “Nosso” Director.

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