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Evocações        PALAVRAS PARA QuÊ?



                 o Boletim anterior con-    oficial  bastante  correcto  e  delica-  navio. E assim aconteceu. Eu vol-
                 cluí  uma  sucessão  de    do, e por 2 guardas- marinhas, um   tei  para  a  amurada  do  navio  e
                 dez crónicas com a de-     deles era eu e o outro o meu amigo   continuei  a  ver  o  movimento.
                 signação  genérica  de     Parente  que,  infelizmente,  já  nos   Passado um certo tempo, apare-
       N“No  Pilão.  Encontro               deixou. O navio estava aberto a vi-  cem  os  dois,  felizes  e  contentes.
       com  o  passado”.  Cada  crónica     sitas e o corrupio de gente a subir e   O  amigo  Parente  volta-se  para
       contava numa linguagem simples       a descer a prancha, curiosos para   mim e diz-me que era uma pena
       e compreensível, uma história au-    ver o navio por dentro era grande.   estar  de  serviço,  pois  pareceu-
       tónoma, tendo como centro a casa     O Parente e eu, que pouco tínha-    lhe que a dama o tinha convida-
       que nos congregou como comuni-       mos para fazer, estávamos encos-    do para ir com ela. E eu percebi
       dade e nos preparou para os desa-    tados à amurada a ver quem pas-     que assim era. Disse-lhe para es-
       fios do futuro.                      sava,  especialmente  as  miúdas,   perar.  Fui  ter  com  o  oficial  de
          As duas histórias que já enviei   que nos mereciam os devidos elo-    serviço e contei-lhe o que se pas-
                        para o nosso Bo-    gios. A certo momento parou jun-    sava. Pedi-lhe para o deixar sair
                        letim,  verídicas,   to à prancha um belo carro ameri-  que eu faria o trabalho de ambos.
                        eram  passadas      cano,  descapotável  e  quando  a   O  tenente  riu-se  e  deu  a  devida
                        com  vários  pi-    condutora  saiu  do  carro  ficámos   autorização. Voltei e disse ao Pa-
                        lões.  Esta,  que   ambos  de  boca  aberta.  Era  uma   rente para se ir arranjar, pois eu
                        vou  iniciar  ago-  mulher linda e cheia de “curvas”,   faria o serviço dele. Falei com a
                        ra,  só  tem  um,   vestindo umas calças vermelhas e    Senhora e pedi-lhe para esperar
                        que  sou  eu.  To-  uma blusa branca, de onde os pei-   por  ele,  que  não  se  demorava
                        dos os outros in-   tos pareciam querer saltar. Nessa   nada. E assim aconteceu. Entra-
        H. Lola dos Reis  tervenientes an-  época  usavam-se  uns  cintos  lar-  ram no carro e desapareceram.
             (19410159)  daram  comigo      gos, apertados, que faziam sobres-
                        na Escola Naval,    sair as ancas, que nela eram uma       Nesse dia e nessa noite o amigo
                        mas não são ex-     maravilha.                          Parente não apareceu mais a bor-
       alunos. De qualquer modo, é tam-                                         do.  No  dia  e  na  noite  seguintes
       bém  uma  história  verídica  com      O  meu  amigo  Parente  nunca     aconteceu o mesmo. Varias vezes
       alguma graça.                        teve jeito para falar línguas e por   falávamos  entre  nós,  admirados
                                            isso não era capaz de dizer uma     com o que se estava a passar.  Só na
          A  minha  viagem  de  guardas-    palavra  em  inglês.  Olhou  para   outra  manhã  apareceu  o  carro,
       marinhas, foi feita a bordo do Avi-  mim e disse: “que
       so de 1ª Classe “Afonso de Albu-     pena  eu  não  sa-
       querque”  e,  contrariamente  à  de   ber  falar  inglês
       cadete, que já vos contei, foi uma   para  tentar  a
       viagem  muito  longa,  até  Timor.   “sorte”!  Eu  tam-
       Iniciou-se  em  15-11-1951  e  termi-  bém  gostaria  de
       nou  em  08-10-1952.  Quase  um      a  tentar,  tanto
       ano! Atravessámos o canal do Suez    mais  que  falava
       e  cruzámos  a  linha  do  Equador   razoavelmente  o
       cerca de 5 vezes. No regresso per-   inglês,  mas  não
       corremos a costa africana. Foi uma   seria  justo  fazer
       bela viagem! Mas já lá vão cerca de   isso ao meu ami-
       60  anos.  Os  locais  e  cidades  que   go.  Então  tive
       visitámos, pelo que tenho visto na   uma  ideia  que
       televisão,  estão  agora  completa-  lha  transmiti:
       mente diferentes, como é natural.    “quando  ela  chegar  ao  navio  eu   com o casalinho, todo sorridente.
       Quando eu digo que estive em Goa,    falo com ela e pergunto-lhe, como   Ela ficou, e ele subiu a prancha, de
       Macau,  Singapura  ou  em  Hong-     é natural, se quer visitar o navio,   peito inchado e um sorriso de ore-
       Kong,  entre  muitas  outras,  não   servindo  eu  de  guia.  Tu  vens   lha  a  orelha.  A  maior  parte  dos
       tem nada que ver com as cidades      atrás de nós sem dizeres uma pa-    guardas-marinhas  presentes  cor-
       de hoje. Mas para o que vou contar   lavra.  Depois,  numa  esquina      reram para ele e lhe perguntaram
       não tem qualquer importância.        qualquer de um corredor, eu de-     como se tinha “desenrascado” du-
                                            sapareço, ela olha em volta, só te   rante  todo  aquele  tempo.  Olhou
          Estávamos atracados em Cape-      vê a ti, tu fazes um sorriso encan-  para todos, com um olhar de supe-
       Town. O serviço de permanência       tador e um gesto para ela seguir    rioridade e respondeu: NEM UMA
       era  efectuado  por  um  2º  tenente,   e  continuas  tu  a  mostrar-lhe  o   PALAVRA DISSE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!



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