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Crónicas         REINVENTAR A EMANCIPAÇÃO SOCIAL



                                      PROJECTO POSSíVEL?
                                    REINVENTAR A EmANCIPAÇÃO SOCIAL


                                           «A globalização trouxe coisas boas…mas impor aos países mais pobres a
                                           monocultura e a mono -produção só perpetua a pobreza destes…»

                                           «É mais fácil a globalização duma qualquer marca
                                           do que a da carta dos direitos humanos.»



                  xplicar  hoje,  os  processos   que  se  desenvolveu  sempre  sob  a   ga a erguer-se ou nasce efémera.
                  económicos,  sociais,  políti-  forma  de  intensificação  da  globaliza-
                  cos e culturais das socieda-  ção, por outro lado sempre houve  resis-  A desordem dos mercados financei-
                  des nacionais, ou apenas só   tências  a  esse  projecto  tão  dinâmico   ros só vem acentuando que a a forma de
         Efazer-lhe  referência,  será        como predador. Desde a revolta dos es-  regulação social seja uma metáfora e a
         sempre verificar qual o papel que, nes-  cravos às lutas de libertação nacional,   ideia de uma “emancipação social sus-
         ses processos, desempenha hoje a glo-  desde as lutas operárias aos projectos   tentada” mera propaganda ocasional.
                                                                                     Paradoxalmente, dentro deste vazio
         balização, a globalização-hegemónica !.  socialistas, desde os movimentos anar-  de regulação e de travão à emancipação,
                                              quistas aos movimento dos não-alinha-
                             Mas  a  par  da   dos e de outros eventos de cariz seme-  estão surgindo, como já referimos, em
                           sua  importância  e   lhante.                           todo o mundo, as reacções que consubs-
                           hegemonia  –e  por                                      tanciam  a  “globalização  contra-hege-
                           reacção a ela - esta   O que haverá de novo hoje?       mónica”. Movimentos, organizações e
                           globalização  criou   Temos a intensificação exponencial   iniciativas diversas lutam simultanea-
                           outra!             das relações transfronteiriças, as novas   mente  contra  as  formas  de  regulação
                             Criou a globali-  tecnologias de comunicação e de infor-  que não regulam e contra as formas de
                           zação  (vista  como   mação com efeito profundo na “acção   emancipação que não emancipam.  (1)
          Duran Clemente   contraponto  àque-  social”, nas suas escalas tanto espaciais   Assim, e neste cenário, torna-se per-
               (19530030)  la),  formada  por   como temporais.                    tinente inquirir se poderemos reinven-
                           redes  e  alianças    O local é cada vez mais o outro lado   tar a emancipação social?
                           transfronteiriças                                         Antes  de  encontrar  resposta  colo-
         entre movimentos, lutas e organizações   do global e, vice-versa, o global é cada   cam-se,  curiosamente,  “pré-questões
         locais ou nacionais, em diversos pontos   vez mais o outro lado do local.  cruciais”:
         do globo. Mobilizam-se contra a exclu-   A explosão das escalas tanto geram   * Será possível unir o que a globali-
         são social, a precarização do trabalho, o   interdependência  quanto  disjunção.   zação  hegemónica  separa  e  separar  o
         declínio  das  politicas  públicas,  a  des-  Nunca tantos grupos estiveram tão li-  que a globalização hegemónica une?
         truição do meio ambiente e da biodiver-  gados ao resto do mundo por via do iso-  * Residirá tão só nisso a globalização
         sidade, o desemprego, as violações dos   lamento nem tantos foram integrados   contra-hegemónica?
         direitos  humanos,  os  próprios  ódios   por via do modo como são excluídos.  * É possível contestar as formas de
         inter-étnicos produzidos directa ou in-  E que mais haverá ainda?         regulação  social  dominante  e  a  partir
         directamente  pela  dita  globalização-                                   daí “reinventar a emancipação social”?
         hegemónica. .                           A voracidade com que a globaliza-
                                              ção-hegemónica  devora  as  promessas   * Qual a intervenção dos investiga-
            Pode  pois  afirmar-se  que  da  base   de progresso, de liberdade, de igualda-  dores e estudiosos para enfrentar estes
         para o topo das sociedades nasceu uma   de, de indiscriminação e da racionali-  desafios?
         globalização  alternativa,  contra-hege-  dade.                             * Terá sido fatal para a ciência polí-
         mónica. Ainda que recente, ainda que                                      tica  moderna  e  para  as  ciências  so-
         emergente, ela tem raízes mais velhas   Porque a regulação social-hege-   ciais, em especial, terem abandonado o
         que  a  manifestação  contemporânea   mónica deixou de ser feita, em nome   objectivo  da  luta  por  uma  sociedade
         mais  consistente,  até  hoje  realizada,   dum projecto de futuro, os designa-  mais justa?
         com este espírito: o primeiro Fórum So-  dos  projectos  de  emancipação  so-  De facto por se terem estabelecido
         cial Mundial, realizado em Janeiro de   cial foram deslegitimados. A regu-  barreiras  entre  a  ciência  e  a  politica,
         2001, em Porto Alegre (Brasil).      lação-social  é  feita  por  impulsos,
                                              como  patinando  num  gelo  de  inte-  entre o conhecimento e a obra, entre a
            Se o capitalismo moderno é na sua   resses  de  momento  (que  se  derrete   racionalidade e a vontade, entre o ser e
         origem um projecto de vocação global  inexoravelmente) e como tal nem che-  o ter, entre a verdade e a quimera, entre



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