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Crónicas         PORTuGuESES NO ORIENTE




                                   UmA CRIANÇA CHAmADA ANDRÉ DE LIz

                      … diferente portanto do nacional-porreirismo e da brandura dos nossos costumes
                          onde as crianças ternurentamente se vêem lavadas com água de colónia

                   a minha curta estadia em   ganização e não um “granel” generali-  tugal  e  a  legitimidade  do  Duque  de
                   Portugal, neste Verão que   zado. Ali prevalece o conjunto sobre o   Bragança. O Vice-rei tocado com a co-
                   já lá vai, tive oportunidade   indivíduo.  Ali  há  exigência,  rigor  e   ragem, sacrifício, responsabilidade e
                   de me encontrar com mui-   sacrifício. Ali existe preocupação com   eloquência  do  infantil  embaixador,
         Ntos amigos que já não via           o produto acabado. Ali ensinam-nos   mandou convocar de imediato as au-
         há  mais  de  45  anos,  isto  é,  desde  os   que Portugal não se aliena, que é um   toridades e principais pessoas da ci-
         meus 14 anos. São eles amigos de lon-  ente  superior,  intangível,  que  se   dade, sendo D. João IV reconhecido a
                           ga  data,  pois  co-  aprende  a  amar.  Diferente  portanto   11  de  Setembro  de  1641.  Pai  e  filho,
                           migo   entraram,   do  nacional-porreirismo  da  socieda-  reunidos  em  1642,  regressam  a  Lis-
                           aos  9/10  anos,   de, da brandura dos nossos costumes   boa,  sendo  André  por  todos  muito
                           para  o  Instituto   e onde as crianças na escola vêem-se   apreciado,  pois  ufano  circulava  pela
                           dos  Pupilos  do   ternurentamente  a  serem  lavadas   Corte  com  o  hábito  de  Cavaleiro  da
                           Exército, em 1960.   com  água-de-colónia,  atingindo  a   Ordem de Cristo que o Conde de Avei-
                           Nesta Escola per-  maioria a idade adulta sem qualquer   ras lhe conferira e que o rei D. João IV
                           maneci por quase   espécie  de  aprendizagem  disciplina-  lhe confirmara”.
                           cinco anos, após o   da ou de noção cívica.               Será que hoje, exemplos destes, vi-
                           que  rumei  para      Ainda  me  recordo  do  episódio  de   vidos e sentidos, ainda são narrados
        Cândido Azevedo    Moçambique para    Manoel e André de Liz, contada nos Pu-  nas  escolas  às  nossas  crianças?  Ou,
               (19600364)  me  reunir  aos    pilos por um dos professores quando na   sabe-se lá porque razão, saíram já do
                           meus  pais  e  ir-  sua aula se referia à temática da nobre-  Programa?
                           mãos.  A  ocasião   za, sacrifício e honra. Assim nos galva-  Quanto  ao  Instituto  dos  Pupilos
         foi o pretexto de condignamente pre-  nizava ele, a nós, crianças de 10 anos:    do  Exército,  enquanto  Instituição
         pararmos os 50 anos de entrada na-      “Manoel de Liz, capitão de arma-  constituída por homens, não está cer-
         quela nobre Instituição, para Setem-  da, é enviado por D. João IV para a Ín-  tamente imune a erros, nem acima de
         bro do próximo ano.                  dia em Março de 1641. Consigo leva as   críticas. Mas autoavalia-se e corrige-
            Foi reconfortante ver ou saber, de-  cartas do rei com ordens para que em   se, razão porque passados mais de 90
         pois de dezenas de anos, como quase   Moçambique e Goa o “fizessem acla-  anos ainda se apresenta de cara lava-
         todos  estes  amigos  de  infância  são   mar, jurar e obedecer como rei natu-  da, o que leva a que os seus alunos e
         hoje Homens formados, gestores, mi-  ral e verdadeiro que era”. Nesta via-  ex-alunos O procurem honrar.
         litares  ou  administrativos  responsá-  gem e por razões que se desconhecem,
         veis, que fizeram um percurso profis-  acompanha-o seu filho de 9 anos, An-
         sional  valendo-se  dos  seus  méritos,   dré de Liz. Já no Índico, Manoel de Liz
         pela formação recebida no IPE. Isto é,   avista  ao  longe  os  temíveis  galeões
         subiram a pulso. Engraçado foi verifi-  holandeses.  Sabendo  do  risco  que
         car nenhum deles ter-se tornado polí-  corria  e  da  necessidade  de  impedir
         tico, coisa aliás rara no historial dos   que as cartas do rei caíssem em mãos
         ex-alunos dos Pupilos. Sinceramente   inimigas, opta por os atrair a si, to-
         que só me lembro de dois: os Drs. Me-  mando  o  rumo  para  Onor.  Mas
         dina Carreira e o José Gomes, Presi-  antes, num pequeno batel, envia
         dente  da  Câmara  Municipal  de  Al-  seu filho para Goa e confia-lhe
         meirim, já há muitos mandatos. Após   as cartas do Rei. Acompanha-o
         o  encontro,  dei  comigo  a  recordar,   Francisco  Souto  Maior  e  dois
         com emoção, os anos vividos naquela   marinheiros.
         “ridente Casa”.                         Desembarcados em Goa, não
            Recordei que ali, no Instituto dos   sem  alguma  dificuldade,  André
         Pupilos do Exército, ontem como hoje,   de Liz, animado pelo entusiasmo
         procura-se  formar  homens  na  sua   próprio  da  idade,  levantava  cla-
         plenitude. Ali ensinam-nos a estudar,   morosos  vivas  a  D.  João  IV  para
         a  trabalhar,  a  defender  Princípios,  a   espanto e  surpresa do  povo,  indo
         acarinhar  tradições,  a  responsabili-  de imediato dar a notícia ao Vice-
         zar-se e não a dobrar-se a malabaris-  rei, Conde de Aveiras. O intrépido
         mos esquisitos e a modas estranhas.   menino entregou as cartas que tra-
         Ali ensinam-nos a servir e não a ne-  zia, instando o Conde a reconhecer
         gociar. Ali há ordem, disciplina e or-  de imediato a independência de Por-



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