Page 8 - Boletim numero 259 da APE
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CRÓNICAS
  brenica? – e respondeu: – Srebrenica sempre foi sérvia. Sempre foi e sempre o será.
Oscar recorda-se que o ar nas salas de aula era fres- co, comparado com o ar horrível dos camiões, ao ponto de se sentir como se estivesse livre, mas dentro de pouco tempo, também o ar dentro das salas de aula aca- bou por ficar viciado. Alguém perto de Oscar tentou abrir uma janela e um soldado sérvio começou a dispa- rar, tendo-o ferido. Os prisioneiros não receberam mais água para além da que continha um jerrican, a qual apenas dava para pouco mais que uma gota de água a cada um.
Quando escureceu, Oscar começou a ouvir homens de outras salas a serem chamados em pequenos grupos. Quando saíam em frente à escola, ouviram-se disparos. Isto durou até cerca da meia-noite. Então, um dos solda- dos veio à sua sala e disse que agora seria a vez deles, e que teriam que sair em grupos de dois de cada vez.
Já no corredor, um soldado sérvio disse-lhes para despirem tudo, da cintura para cima, e para se descalça- rem. Oscar não tinha sapatos, pois havia perdido os mesmos algures na floresta, mas descalçou as suas meias. As suas mãos foram amarradas atrás das costas, com uma qualquer espécie de cordão bastante duro e depois foram ambos colocados numa outra sala, onde ele conseguia sentir roupas no chão, bem por debaixo dos seus pés. Quando todos os homens tinham as suas mãos amarradas, os soldados levaram-nos para fora do edifício e colocaram-nos num camião. O camião arran- cou e viajou cerca de dez minutos. Nessa altura, os sol- dados sérvios mandaram sair cinco prisioneiros de cada vez, após o que se ouviu som de disparos.
Um homem que estava por trás de Oscar, perguntou- -lhe se queria que lhe desatasse as mãos, ao que Oscar respondeu que não queria, pois iria ser morto. Nesta al- tura podiam-se ouvir alguns prisioneiros a gritar:
– Por favor dêem-nos água primeiro, e matem-nos depois – Oscar recorda-se de se sentir verdadeiramente triste por ir morrer com sede.
Nas primeiras horas de 15 de Julho de 1995, os sol- dados levaram Oscar do camião, para um ponto onde se podiam ver filas de pessoas que haviam sido mortas. Os- car pensou que iria morrer bastante depressa e sem so- frimento.
– Pensei que a minha mãe nunca viria a saber onde eu morri e acabei por ficar enterrado...
Quando começaram os disparos, Oscar caiu ao chão e sentiu uma dor na parte direita do seu peito e no seu braço direito. Ele ouviu um homem a gemer ao seu lado direito, mas conteve-se e não gritou nem chorou. Oscar estava à espera que viesse mais uma bala e lhe acertas- se. Enquanto estava à espera de morrer, continuou a ou- vir disparos e o som de pessoas a cair ao chão. Quando os soldados terminaram a matança, ouviu-os dizer:
– Bem, o vosso governo irá proceder à vossa troca por sérvios, mesmo depois de vocês estarem mortos. – Oscar recorda-se ainda de os soldados olharem para os
corpos e gozarem com a situação: – Olha para este gajo... parece uma couve...
Depois de ter terminado o tiroteio e de os soldados se terem ido embora, Oscar viu algum movimento à frente de sim, e perguntou em voz baixa:
– Está vivo? – E ouviu um homem a responder: – Es- tou vivo.
Oscar rolou por cima dos corpos, tendo-se aproxima- do do outro sobrevivente, e começou a tentar roer o fio que lhe amarrava as mãos. Quando estava nesta opera- ção, ouviu um camião a aproximar-se e assim, o outro homem começou a caminhar por cima dos corpos, en- quanto Oscar gatinhava atrás dele, pois não se conse- guia manter de pé, por a sua perna direita estar a doer bastante.
– Enquanto passava por cima dos corpos, não conse- guia ver quem eram, mas era uma visão terrível. Vi um corpo, de alguém que havia sido atingido na cabeça e o interior da mesma ter saído na totalidade. Não consegui ver mais alguém que estivesse vivo.
Depois de terem passado vários dias a vaguear pela floresta, Oscar e o outro sobrevivente conseguiram final- mente alcançar território controlado por muçulmanos.
Este foi um dos depoimentos, uma das histórias da extrema violência ocorrida naqueles dias.
Há que referir que este genocídio foi programado ao mais ínfimo pormenor por parte das forças sérvias da Bós- nia. Tiveram a preocupação em munir-se de várias dezenas de autocarros, por forma a procederem à evacuação das mulheres e crianças para zonas controladas por muçulma- nos, tiveram a preocupação de arranjar meios de transporte para os prisioneiros e por último, montaram um esquema de interrogatório prévio dos prisioneiros, por forma a iden- tificar possíveis criminosos de guerra que tenham cometido crimes em aldeias e povoados sérvios durante a guerra. Es- tes interrogatórios eram conduzidos com uma violência atroz, os quais serviam muitas vezes apenas o propósito de conceder uma satisfação mórbida aos soldados sérvios, quer pelas agressões a que os seus prisioneiros eram sujei- tos, quer às atrozes formas de morte que estes infligiam a alguns deles, antes de passarem à matança em massa nos campos de morte e nas valas comuns.
Entretanto decorrem no ICTY os julgamentos por genocí- dio e crimes cometidos contra a humanidade, de Radovan
Memorial
  6 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • outubro a dezembro













































































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