Page 40 - Boletim numero 257 da APE
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 EVOCAÇõES
 Cinco anos na vida de um tenente miliciano no Instituto mV ilitar dos Pupilos do Exército
ivi de forma intensa o período de 1972 a 1977 nesta Grande Casa de formação técnica, cívica e militar. Tive receio que os nossos governantes acabassem
com estas Casas, como acabaram com o serviço militar obri- gatório, que muita falta tem feito aos nossos jovens que têm andado em “roda livre” nas famílias, na escola e na socieda- de. Felizmente tal não aconteceu.
Fui desafiado por um antigo aluno a escrever algumas memórias deste período então vivido. Transferido, como al- feres miliciano, do Campo de Tiro da Serra da Carregueira para os Pupilos do Exército, cujo Director Brigadeiro hum- berto Garcia, me atribuiíu as funções de oficial de tiro e co- laborador numa Companhia de Alunos. Apaixonado desde sempre pelo exercício físico em geral e futebol e atletismo em particular, fui também indigitado para preparar equipas de futebol de salão a fim de se participar nos Campeonatos Militares da Região Militar de Lisboa. queria destacar na nossa equipa, um grande amigo e entusiasta, que se envol- via nestas andanças com contagiante paixão e alegria – falo do Major Castiço Monteiro. Após o 25 de Abril de 1974 fui nomeado pelo Brigadeiro Castelo Branco Brito para coman- dar a Companhia de Soldados, que naquele período contur- bado da nossa vida colectiva, foi difícil levar a bom porto aquelas funções.
As Direcções desta Casa deram sempre enorme atenção aos desportos em geral e à ginástica. Lembro as cele- bres classes especiais de ginástica, cujo mestre Professor Robalo Gouveia tão bem sabia preparar e que tanto engran- deceram e honraram o nome dos Pupilos do Exército. Dessa equipa docente de «combate» recordo ainda os Professores Moura e Sá, Fernando Ferreira (FF), Sá Água e ainda, por al- gum tempo, o meu velho amigo Tenente Raposo.
Recordo alguns episódios que vivi e que posso evocar:
– No refeitório alguns alunos brincalhões faziam boli- nhas de pão para atirarem e acertarem em colegas de outras mesas. Perante algumas queixas de «lesados» o Comandante do Corpo de Alunos, Major Olavo Ra- mos, ameaça com uma saída desconcertante – «Aca-
be-se já com o pão»;
– As velhas marchas de alunos, em formatura ao toque
de tambor, acompanhadas pelo oficial de dia;
– Os «desfalques» na pastelaria, anexa ao refeitório, sempre que estava como oficial de dia, fazendo su- cessivas rondas nocturnas acompanhado pelo guar-
           Armando Louro*
da. Nunca conseguimos descobrir como se furtavam bolos com tanta ligeireza e perfeição, sem que nin- guém desse por nada. Num dos dias o Sr. Marques, responsável pelo refeitório, veio ter comigo, muito agitado, a comunicar-me:
– Sr. Tenente, esta noite «limparam» dois tabuleiros de bolos.
– E agora, Sr. Marques?
– Tenho que fazer umas sandes de marmelada e mor- tadela.
– Avance, Sr. Marques, os alunos têm que lanchar;
– Fala-se hoje muito em «bulling», mas nos Pupilos, já se praticava nesse tempo algum «bulling alimentar”. Alunos mais velhos? Graduados? “Padrinhos”? “Con- vidavam os seus “afilhados” – alunos mais novos – a trazerem de casa, nos fins de semana, alguns reforços calóricos (chocolates, bolos ou outras guloseimas) e salgados. Todos conheciam esta “brincadeira”, mas nunca ninguém conseguiu descobrir nem «bullinguis-
tas», nem «vítimas»;
– Os Pupilos viviam de paredes meias com o Colégio Fe-
minino de S. Domingos de Benfica, cujas camaratas estavam voltadas para as camaratas dos nossos alu- nos mais velhos. Constava-se que havia «diálogos perfeitos em mímica» por ambas as partes, que o pai do cinema mudo Charles Chaplin, muito apreciaria e contrataria alguns dos intervenientes para actores dos seus filmes, se tivesse conhecimento deste «vi- veiro». Num dos serviços que fiz como oficial de dia, recebi no Gabinete, uma senhora da Direcção desse Colégio que fez várias queixas e sugeriu que mudásse- mos os alunos mais velhos para outro pavilhão e transferíssemos os mais novos para aquele espaço, de modo que se acabasse de vez com os desfiles de lingerie, tão naturais e apetecíveis naquelas idades. Aconselhei a senhora a uma vigilância mais apertada da parte do Colégio, prometendo o mesmo do lado de cá. Ficámos empatados.
     38 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • abril a junho












































































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