Page 15 - Boletim nº 251 da APE OUT a DEZ de 2018
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com provas dadas em vários campos de batalha e elogiado e distinguido pelos seus atos e feitos, fosse dentro ou fora de fronteiras. Conta-se que este grande patriota até teria sido um dos “Doze de Inglaterra”.
Adiante. Forçar-se-ia um encontro com D. Afonso V, pois que mais valia verter sangue e morrer com honra num cam- po de batalha, do que viver sem ela. E foi em Alverca que o pequeno exército do infante D. Pedro assentou arraial. Ao passar pelo Mosteiro da Batalha, o infante D. Pedro tinha aproveitado para rezar junto do túmulo dos seus pais. O confronto que se seguiu foi um dos episódios mais lamen- táveis de toda a História de Portugal e a materialização de um dos piores inícios de reinado. A Batalha de Alfarrobeira foi, de facto, uma batalha sem grande narrativa, dada a enorme desproporção entre o exército real e as forças do infante D. Pedro. Este, cercado, foi atingido por um virote (uma flecha traiçoeira) que o matou. O seu mais leal amigo, D. Álvaro Vaz de Almada, 1.o Conde de Avranches, também morreu em combate. Ficou célebre a frase que proferiu quando lhe disseram que o seu bom amigo infante D. Pedro já tinha falecido e que, estando completamente cercado, já não podia mais suster os ataques que com uma enorme desproporção numérica lhe faziam, trespassando-o, quase moribundo: “É fartar, vilanagem!”.
Durante três dias e três noites, o cadáver do antigo re- gente D. Pedro esteve abandonado no campo de batalha. Tratava-se de um desrespeito gravíssimo para qualquer cristão e, ainda mais, para alguém que, para todos os efei- tos, era um membro da família real. A ordem para que isso tenha acontecido foi dada pelo próprio rei (sobrinho e gen- ro do falecido), mesmo que a sua mulher (filha do falecido) o tenha tentado pressionar em sentido contrário. Enterra- do, primeiro, na Igreja de Alverca, foi depois transladado para a Igreja do Castelo de Abrantes e, finalmente, em 1455, para o Mosteiro da Batalha.
D. Afonso V foi, acima de tudo, um rei sem caráter e um pau-mandado nas mãos de nobres poderosos que se apro- veitaram das suas fraquezas e da sua enorme ingenuidade. Possuidora de vastos domínios, a alta nobreza dispunha como queria nos seus territórios, exercendo a justiça, co- brando impostos e levantando forças para defender os seus interesses. Ainda assim, as conquistas que D. Afonso V con- seguiu fazer em África valeram-lhe o epíteto de “O Africano”. Tem isso a seu favor.
Mas o comportamento que revelou quando posterior- mente tomou pretensões ao trono de Castela, a inabilidade tática que revelou antes e durante a Batalha de Toro (ao contrário de seu filho, que também lá esteve e que se por- tou de forma magnífica), a manifesta inocência da sua pos- terior ida para França com a abdicação do trono no seu filho, e a pouca vergonha do seu posterior regresso a Portu- gal com os contornos que daí se seguiram, ajudam a perceber o quão este rei era depressivo e inseguro.
O seu filho, futuro rei D. João II (“O Príncipe Perfeito”), para que o seu pai não fizesse mais asneiras, trabalharia em ordem a assinar-se o Tratado das Alcáçovas-Toledo, tratado esse que também incluiria oportunas cláusulas adstritas à
projeção externa de Portugal e de Castela. A péssima go- vernação de D. Afonso V tinha deixado marcas profundas no reino, com o poder de algumas Casas da alta nobreza a terem um poder superior ao da própria Casa Real. E daí a frase do rei que se seguiu, D. João II, criticando a ação polí- tica do seu antecessor: “Meu pai deixou-me rei das estradas de Portugal!”.
O rei D. Afonso V faleceu em Sintra, depois de ter pedido um copo com água num dia de verão e de muito calor. Jaz no Mosteiro da Batalha, ironicamente sepultado ao lado do seu sogro que muito maltratou na vida e até na morte, com as várias ofensas feitas ao seu cadáver e os diversos agravos que se seguiram à Batalha de Alfarrobeira. Foi um rei que não demorou muito tempo a mostrar que não estaria nem ao nível do seu tio (o antigo regente, infante D. Pedro) e muito menos ao nível do seu filho (o futuro D. João II, “O Príncipe Perfeito”).
Em pouco tempo, o rei D. João II trataria de acertar as contas com a nobreza mais arrogante e de, consequente- mente, fortalecer o poder real. O 3.o duque de Bragança, D. Fernando II, com toda a sua sobranceria e falta de senso, porventura julgou que poderia fazer com D. João II aquilo que o seu avô tinha feito com D. Afonso V. Era não conhecer a têmpera de D. João II.
Tal como D. João II tinha dito ao seu pai, aquando do malfadado regresso deste último de França: “Há tempos de usar o olhar da coruja e tempos de voar como o falcão”. Agora sim, teríamos um rei à altura.
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Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Outubro-Dezembro | 13