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POEsIA















           ANTóNIO BARROSO                                       JOAQUIM CABO VERDE
           19460120                                              19490309




            A ti que, sem motivo, me invejaste, e que eu não entendi.             Seara
              A ti que, na sombra, me criticaste, e que eu esqueci.
            A ti que, cobardemente, me injuriaste, e que eu ignorei.
             A ti que, conscientemente, me feriste, e que eu perdoei.        Caminhava na seara
                                                                          E tive um pressentimento
                    Faço esta pequena pergunta:
                                                                       Mais forte do que uma amarra
                                                                         E mais magano que o vento
             Sabes o que é um poema?                                        Fiz calar uma cigarra

                                                                          E pus o andar mais lento

                  Tu não sabes o que é um poema
                 se não sentires a musa no teu peito,                     Por detrás de uma cigarra
                se não fizeres, com arte e muito jeito,                    Fazia-se um casamento
                  uma coroa de flores, um diadema,                          O lençol era a samarra
                 para pores na cabeça da tua amada,                       E a bênção era a do vento
                      como uma rainha coroada
                    sentada num trono de beleza.                          E enquanto isto acontecia
                  Tu não sabes o que é um poema                             Frente à natureza toda
               se não deixares de colher o malmequer                          José amava maria
                   apenas para teres a fútil certeza                      E o vento brincava à roda
                       do amor duma mulher,
                   como se a flor fosse um dilema
                em que se debate no teu inconsciente                      Que faz barulhos de noite
                 quando se duvida dum sentimento,                          Nos caminhos da seara?
                  ou não se entende o que se sente.
                  Tu não sabes o que é um poema                              É o cantar da cigarra
                se não olhares, de manhã, o colorido                      E é o murmúrio do vento
                    do sol a romper, no horizonte,
                se não beberes a água fresca da fonte,
                se o chilrear não entra em teu ouvido,                   Quem faz barulhos de noite
                  ou se não vires desabrochar a flor,                      Nos caminhos da seara?
                    obra eterna, de arte suprema,
               e, ao longe, não escutares os himeneus.
             Tu não saberás, nunca, o que é um poema,                        É a brisa na guitarra
                se não olhares, à tua volta, com amor,                          Nestas noites
                     e, a sorrir, agradecer a Deus.                               De relento



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