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POEsIA
ANTóNIO BARROSO JOAQUIM CABO VERDE
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A ti que, sem motivo, me invejaste, e que eu não entendi. Seara
A ti que, na sombra, me criticaste, e que eu esqueci.
A ti que, cobardemente, me injuriaste, e que eu ignorei.
A ti que, conscientemente, me feriste, e que eu perdoei. Caminhava na seara
E tive um pressentimento
Faço esta pequena pergunta:
Mais forte do que uma amarra
E mais magano que o vento
Sabes o que é um poema? Fiz calar uma cigarra
E pus o andar mais lento
Tu não sabes o que é um poema
se não sentires a musa no teu peito, Por detrás de uma cigarra
se não fizeres, com arte e muito jeito, Fazia-se um casamento
uma coroa de flores, um diadema, O lençol era a samarra
para pores na cabeça da tua amada, E a bênção era a do vento
como uma rainha coroada
sentada num trono de beleza. E enquanto isto acontecia
Tu não sabes o que é um poema Frente à natureza toda
se não deixares de colher o malmequer José amava maria
apenas para teres a fútil certeza E o vento brincava à roda
do amor duma mulher,
como se a flor fosse um dilema
em que se debate no teu inconsciente Que faz barulhos de noite
quando se duvida dum sentimento, Nos caminhos da seara?
ou não se entende o que se sente.
Tu não sabes o que é um poema É o cantar da cigarra
se não olhares, de manhã, o colorido E é o murmúrio do vento
do sol a romper, no horizonte,
se não beberes a água fresca da fonte,
se o chilrear não entra em teu ouvido, Quem faz barulhos de noite
ou se não vires desabrochar a flor, Nos caminhos da seara?
obra eterna, de arte suprema,
e, ao longe, não escutares os himeneus.
Tu não saberás, nunca, o que é um poema, É a brisa na guitarra
se não olhares, à tua volta, com amor, Nestas noites
e, a sorrir, agradecer a Deus. De relento
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