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evocações
JoAQUim FrANciSco cABo VerDe FerNANDo criSTo
1949.0309 1955.0373
o Bill Homenagem ao meu
amigo ernâni Faustino
No meu tempo daquele nosso tempo havia o pilão e a
malta e havia o batalhão e o Bill. O Bill era um particular
cão que nos tinha adoptado e que portanto, de facto e de
direito, fazia parte integrante de todo o batalhão. Oriundo Sou de uma geração com histórias, factos vividos, uns
talvez das matas ou das furnas ou sabe-se lá do deus dará, positivos, outros menos positivos.
era um cão médio a atirar para o baixote, trajava de branco Geração que foi educada nos princípios do respeito, da
e preto e, mais ou menos e tal e qual, salvas as devidas camaradagem, lealdade e amizade.
distâncias, afigurava-se aos "borderlines" os cães que ainda Estes pontos «cardeais» foram cimentados ao longo dos
hoje arrebanham as ovelhas de sua majestade e cuja linha- anos que estive no Pilão e para mim perduráveis.
gem vai para alem da batalha de Hastings ou senão mesmo, Vem isto a propósito, de recordar com saudade, um
de quando os romanos abandonaram as terras da ilha e amigo, um Pilão da minha geração falecido há cerca de
demandaram a Gália. Mas voltemos ao Bill, para alem de um ano, Ernâni José de Mascarenhas Faustino, (19550288)
saber de cor e salteado todos toques, desde o da alvorada o “Massa”.
festiva ao da tranquilidade do silêncio, acompanhava todas Na nossa juventude fomos companheiros nas «folias»,
formaturas da 1ª para a 2ª e quando o Fonseca tentava com aventuras e mesmo nas horas mais difíceis, a amizade es-
frenéticas campainhadelas empurrar o último pelotão, o Bill teve sempre presente.
desatinava com os ladrares mais destemperados e que só O Ernâni saiu do Pilão em 19.05.1961. Fez a sua vida
paravam quando o comandante do pelotão – o Radamés – profissional e familiar, perdemos o contacto, não a memória.
fitava com sobranceria o guarda-freio e era então e só assim, Anos passaram, já com netos, voltámo-nos a encontrar e,
que o elétrico se atinha por fim ao ritmo e se acomodava com satisfação, recordámos tempos passados e o presente.
às linhas e ao destino. Um, dois, um, dois. Mas havia naque- O Ernâni adoeceu, rápida foi a morte, essa palavra que
le tempo entre o muro mal alinhavado da 1ª e a linha do confunde. Perdi um amigo, fica-me a lembrança de todas
comboio, uma certa ribeira. É claro que não é o rio que as gargalhadas que com ele dei. Até um dia amigo…
passa pela minha aldeia mas ainda assim, não deixava de ser
um certo rio com o único senão de ser o habitat de toda a
espécie de murideos e de outras anafadas e rápidas ratazanas.
E era aí que o Bill entrava em cena. Pela tardinha aproxi-
mávamo-nos do muro e lançávamos o grito de guerra: – Bill!
Vamos às ratas! Bill! Vamos às ratas! E era então que come-
çava a mais estridente das batalhas com ladrares e chios pios
e 3200 rodopios até que por fim a tarde ficava calma. O
Bill sacudia-se, fazia umas corridas e olhava-nos como que
a dizer: – E então sou o tarzan ou não sou? Meu querido
tarzan onde pararás tu agora. Talvez andes de liana em
liana a ladrar docemente ao infinito. Era bom aquele tempo
em que vinte escudos dava para ir à baixa, comer um bife
com um ovo a cavalo no come-e-bebe e se bem calhava
perder a virgindade. Quem sabe? E não foi nem uma nem
duas vezes que um qualquer de nós dissesse – E agora Bill?
Conta-me um meu amigo budista que na Índia na província
do Rajastão existe por lá o" Kami Mata" ou seja, o templo
dos ratos e que, como figura de destaque, há o busto de um
cão vagamente estilizado e que ostenta um tilak na testa,
ou seja, uma pinta vermelha à laia de raspadinha e um co-
lar de variadas flores à volta do pescoço. É de certeza o BILL. (19550288) (19550373)
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