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Associação                                   APE

       dos Pupilos do Exército


       “O Livro em Branco”


          Tive  um  amigo  que  desapareceu  fisicamente  da  minha  e saídas do Hospital Santa Maria foram-se tornando frequentes,
       vida no passado dia 7 de Setembro. A vida não é eterna, e  e a sua família tudo fez para o manter o mais tempo possível
       disso todos nós temos consciência, mas penso que podemos  em casa. Cheguei a visitá-lo aí, deitado na sua cama, com o
       sempre guardar, num canto da nossa alma, tudo aquilo que  oxigénio para manter a função respiratória a funcionar. Sei que
       soubemos absorver do tempo que privámos com alguém que  de noite sofria, e chamava por todos, quase como uma criança
       passou na nossa vida, e que a marcou de alguma forma.  que precisa de saber que os afectos estão por perto.
          O meu amigo Augusto Dias era um amigo daqueles, rarís-  No  seu  último  aniversário,  quando  completou  os  lindos
       simos, que continuam a telefonar mesmo quando não temos  noventa e dois anos de idade, corri para ir ter com ele. Estava
       quase tempo para lhes dispensar atenção.               reunido com a sua família, no Nova Lisboa, restaurante em
          Quando me telefonava dizia:                         Alvalade onde ele ia com frequência. Levei-lhe um ramo de
           “Guida?                                            margaridas brancas e um livro com uma particularidade: era
           E eu respondia “Olá! Então, tudo bem consigo, com os  um “Livro em Branco”, mesmo com este nome impresso na
       seus filhos, e família?                                capa, que quis oferecer-lhe para que pudesse escrever nele
                                                              passagens da sua vida, colocar algumas fotos de que tanto
                                                              gostava, enfim, ocupar parte do seu tempo a preencher as
                                                              folhas nuas.
                                                                 Sei que ainda nele começou a escrever, mas o agravamen-
                                                              to do seu estado de saúde não lhe permitiu ir mais além.
                                                                 Quando penso na vida deste amigo, tão rica e tão cheia,
                                                              sei que não caberia naquele livro que lhe ofereci. Por ironia do
                                                              destino, este livro ficou quase em branco. No entanto, consigo
                                                              imaginar as suas páginas cheias de histórias que teria para
                                                              contar, cheias de fotografias de flores que adorava fotografar,
                                                              cheias da vida longa que tão bem soube aproveitar.
                                                                 Partiu no dia 7 de Setembro de 2010, para um descanso
                                                              que pedia há já algum tempo, deixando-nos a todos tristes
                                                              pela sua ausência, mas felizes por termos tido a sorte de nos
                                                              cruzarmos com ele na vida.
                                                                 O livro ficou em branco, lembrando-me que as vidas não
                                                              cabem nos livros, e que o mais importante é aquilo que da-
                    Quadro Pintado por Margarida Pereira
                                                              mos de nós aos outros, enquanto ainda há tempo para tal.
          Perguntava-me sempre se eu estava bem, como estavam    Quando o meu telefone toca, lembro-me que nunca mais
       os meus filhos e perguntava quando seria possível vermo-nos.  ouvirei a sua voz a perguntar:
          Durante muito tempo, e com alguma frequência, lá ia ele,   “Guida? Está tudo bem? Os seus filhos e os pais, estão
       com a Ana Oliveira, almoçar comigo a Alfragide, onde trabalhei  todos bem? Quando será possível encontrarmo-nos?
       até Agosto passado. Eu ficava sempre com a sensação de que   Responderia: ”Sempre, meu amigo. Encontro-me consigo
       aquele bocadinho voava, e gostaria de o poder estender mais  sempre que preciso de si”.
       um bocado, porque era sempre pouco o tempo que tínhamos                                      Margarida Pereira
       para pôr a conversa em dia. E era tão bom poder dar-lhe um
       abraço sentido, ver aquele sorriso que lhe transformava a ex-                                   (1977.1051)
       pressão quando me via…                                 Novos Sócios
          Sempre que podia, lá ia eu a Alvalade, bater-lhe à porta de
       casa, um lar de gente feliz, onde várias gerações se mistura-  Nos meses de Outubro a Dezembro foram admitidos
       vam e onde transpirava “vida”.                         como sócios efectivos os seguintes ex-alunos do I.M.P.E
          O meu amigo recebia-me sempre com a alegria estampa-
       da no rosto e, apesar de as minhas visitas serem sempre “a   Ernâni Luís Valoura Balsa (1960.0300)
       correr”, mantinham a constância de que uma amizade sincera
       precisa.                                                  Rui Manuel Jacobetty Oliveira Coutinho (1960.0362)
          Por vezes eu ligava, e perguntava se queria ir comigo ao   José António Lopes Novais (1961.0132)
       Centro Comercial de Alvalade (quase ao lado de sua casa),   César Manuel Faria Malheiro (1978.1206)
       e lá nos encontrávamos para beber um café e um garoto e   Marco Paulo da Silva Padinha (1980.0138)
       comer um pastel de nata.                                  Luís Filipe Leal Domingos (1980.0305)
          Depois, dava-lhe o braço e acompanhava-o a casa.       João Paulo Amiguinho Canto (1980.0377)
          O tempo foi passando, e o meu amigo começou a acusar   José Carlos Nunes Pereira (1980.0378)
       o desgaste duma vida longa, vivida…                       Abel Santos Vinagre Espanca (1980.0409)
          Era já com alguma dificuldade que se encaminhava para ir   Ricardo Alexandre Almeida Gomes Cristo (1980.0414)
       ter comigo e, pouco a pouco, a sua saúde foi faltando. Entradas   Joaquim Alexandre Fernandes Cruz (1993.0227)
                                                                 Pedro Nuno Dias Silva F. Rolim (1994.1132)

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