Page 6 - Anexo ao Boletim APE 272 Janeiro a Março de 2024
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3) A terceira saída é o ataque ao cume. Pernoitamos no
Campo 1, seguimos para o Campo 2, de onde partimos ainda
nesse próprio dia à noite para o ponto mais alto da montanha,
com o regresso no dia seguinte ao mesmo acampamento,
para repor energias. Se tudo correr como previsto, e após
uma pernoita, descemos então ao Campo Base.
Este protocolo não é novidade para mim, é a estratégia
que se adopta neste tipo de montanhas, como forma de
aclimatar o corpo. Já por aqui falei nestas crónicas nos
perigos relacionados com a altitude, nomeadamente a
necessária adaptação à rarefacção do oxigénio, que não
sendo bem feita poderá levar a graves complicações
pulmonares e cerebrais, com possibilidade de risco fatal.
Os sintomas mais comuns de adaptação à altitude são a
dificuldade em respirar, dor de cabeça, cansaço, perda de
apetite e tosse. Lembram-se da vossa pior ressaca? Pois bem,
imaginem sentirem-se assim por uns quantos dias, não é de
todo incomum para quem se aventura nestas montanhas.
Felizmente eu acho que tenho os “bons genes” e raramente
passo por esse martírio.
Faço parte de uma equipa de 4 montanhistas ocidentais,
para além de mim, um jovem Espanhol (Lluis) de 26 anos e 2
Irlandeses (John e Gabriel, pai e filho). Há muita experiência
neste grupo, o Lluis é guia de montanha, o John já subiu o
Evereste. Somos guiados por 2 sherpas, Ang Dawa e Tenzig,
também eles muito competentes e com inúmeros cumes
Nepaleses no currículo.
As 2 primeiras rotações acontecem praticamente sem
percalços. Na primeira saída para o ABC (5100m), o jovem
Espanhol, que é meu colega de tenda, não reage muito bem à
diferença de altitude e passa um mau bocado, mas recupera
rapidamente no regresso ao Campo Base.
A segunda rotação dá-me oportunidade de passar pelas
partes mais emblemáticas da rota, nomeadamente a travessia
em rocha depois do Campo 1 e a subida para o Campo 2, a
infame “Yellow Tower”, uma parede vertical de 9m (o
equivalente a 3 andares) que é transposta a muito custo e
com a ajuda das cordas fixas no local. Ah, um “pequeno”
pormenor, enquanto estamos na parede armados em
Homem-Aranha, se olharmos para baixo, o chão encontra-se
a cerca de 1000 metros… nada aconselhável para quem não
gosta de emoções fortes.
O Campo 2 é também um ex-libris desta montanha, um
pequeno espaço na rocha, onde apenas cabem cerca de 6
tendas. Não é muito confortável e estamos, literalmente, à
beira de um precipício a toda a volta, pelo que qualquer
movimento tem de ser feito com cuidado, inclusivamente no
interior da tenda. Mas as vistas, ah as vistas, se ao menos
pudessem lá estar (acreditem, as fotografias não conseguem
captar todo o esplendor).
Cumpridas as 2 rotações, estamos agora bem
aclimatados, é tempo de voltar ao Campo Base, descansar uns
dias e fazer figas para que a meteorologia seja favorável.
Enquanto esperamos pela nossa vez, algumas equipas vão
4 CRÓNICAS
BOLETIM APE | JAN/MAR 2024