Page 8 - Anexo ao Boletim APE 272 Janeiro a Março de 2024
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Agora sim, o vento faz-se sentir. Está desagradável, a
sensação térmica é de muitos graus negativos. Sinto a minha
visão a turvar, estou a ficar com as córneas congeladas, pelo
que decido colocar os óculos protectores. O caminho a partir
daqui são basicamente encostas de neve e gelo, com
inclinações entre os 45 e 75°, que superamos com a ajuda das
cordas fixas.
As horas passam, até que a luz da manhã nos revela
paisagens de cortar a respiração. Registo-as mentalmente,
pois estou cansado demais para tirar fotos. Esta montanha é
bem difícil, lembra-me o dia de cume do Evereste. O vento
fustigou-nos a noite toda, não foram as rajadas previstas na
meteorologia, mas ainda assim tornou a subida bastante
desagradável e testou os meus limites de sofrimento térmico.
Curiosamente, quando eu e o Ang Dawa chegámos ao
cume às 8:30, o vento amainou. Agradeci à montanha,
emocionei-me, gravei um vídeo para o meu filhote (disse-lhe
que não tinha encontrado o Yeti), deslumbrei-me com as
vistas e tirei as fotografias da praxe. À nossa frente estão 4
colossos com mais de 8.000m: Makalu, Evereste, Lohtse e
Cho Oyo.
Permaneço no cume mais tempo do que é normal, cerca
de 1h30m, pois resolvemos esperar pelos outros para registar
uma foto de grupo. Inicio a descida por volta das 10:00 e,
depois de muito “rapelar” por ali abaixo, após ultrapassar os
estreitos caminhos por entre as rochas, agora com os
precipícios bem visíveis à luz do dia, chego ao conforto da
minha tenda no Campo 2 por volta das 15:30. Dispo as
camadas de roupa, que agora me fazem transpirar, e disfruto
do necessário descanso, enquanto revejo mentalmente a
jornada de mais de 17 horas e a registo no meu diário.
No dia seguinte iniciamos a descida final, com a mochila
mais carregada do que nunca. Com muito cuidado e atenção,
ultrapasso os vários obstáculos do percurso até ao conforto
do Campo Base. Agora sim, missão cumprida! Faço a
tradicional publicação nas redes sociais e aviso a família que
está tudo bem.
A jornada de volta a Catmandu, onde chego a 23-nov, dura
3 dias, preenchidos com uma longa caminhada até Lukla, um
curto voo e uma estafante viagem de carro. Tenho pressa de
chegar a casa, aterro em Portugal 2 dias depois.
Termino esta crónica retomando o tema das mais belas
montanhas. É que, na impossibilidade de escolher apenas
uma, o melhor é mesmo subir todas (ou pelo menos tentar).
No momento em que escrevo estas linhas, já tenho viajem
marcada para Julho. Não percam as próximas aventuras!
6 CRÓNICAS
BOLETIM APE | JAN/MAR 2024