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     CRÓNICAS
BOLETIM APE | ABR/JUN 2023
Os Rapazes
Há meses, neste cantinho que me tem sido concedido, voltava eu aos tempos em que os rapazes festejavam Maio. Decidiam cantar, a roçar o grito, sem nunca lhes
falhar a voz, fintando castigos com o amor mais puro que tinham àquele Mês. Era uma altura de festa, como se sabe. Era Maio. O eterno 25 de Maio. O tal mês que, dizia eu naquela crónica, era totalmente distinto dos outros onze meses que o encurralavam selvaticamente. Deambulava, então, naquele texto, memórias emocionais quanto ao conjunto dos 30 dias que destronava os outros trezentos e qualquer coisa. De caneta em riste, chegava mesmo a arriscar a afirmação em como os onze meses restantes só existiam às cavalitas do quinto. E dizia-o com verdade, admito. Contudo, das tais cavalitas, arrimados em costas largas, chegavam mesmo a existir os meses que não eram Maio: os que ocupam o ano, mas devoram o coração. Inegável será dizer que os rapazes também viviam o período maior do ano, trancados entre quotidianos por eles passeados dia após dia, entre paredes com vida própria, à espera que o Maio Grande chegasse. Mas viviam estes meses longuíssimos de forma diferente. Viviam- nos com saudade de quem em casa os esperava, mas com eterna esperança de uma medalhita para ali levar e, assim, ouvir, de seus Pais às vezes frios, isto: bom trabalho, meu rapaz. Muitos não as levavam é certo, mas na verdade todos desejavam ouvir: Bom trabalho, meu rapaz. Ou talvez só: Meu
rapaz. Ou talvez mesmo: Meu. Esta era das primeiras coisas que os onze meses nos mostrava: a pertença. Ao quê? Isso só lá vivendo. Para quê? Isso só lá vivendo. Mas este foi um dos corolários primeiros que os onze meses tinham para nos dar: sermos, sempre, todos de todos e estarmos, sempre, todos por todos, sempre. Ó rapazes, só vocês, como eu, sabem que os onze meses que cercam o Maio Grande são francamente duros. São meses de trabalho e raras festas. São meses com provas de natureza vária: escritas, que roubam noitadas para o estudo, e humanas, que roubam uma vida inteira. Oh, vindos do fundo mais grave de mim lá estão eles: os meus rapazes que, agora, neste preciso momento, disfarçam feridas em carne viva nos calcanhares e molham as botas com a água recebida no lanche da manhã para conseguirem marchar sem se notar o coxeio normal de quem arrisca crescer! Oh, aqueles pequenotes de parcas palavras, mas de peito tão adulto e tão levantado. Olhem para eles, a irromper de um horizonte de pedra azul como ouro selvagem a despertar! Oh vida, o mundo será deles, tudo chegará a bom porto, pensam os rapazes pequeníssimos distraidamente enquanto correm, desalmados, na direção oposta das mães que pregadas aos portões ficam a secar lágrimas com o interior das luvas de pele castanha por eles esquecidas. Oh, tempo. Oh, rapazes meus. Oh, meus! Oh...! Oh!...
 



























































































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