Page 11 - Boletim 267 da APE
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 BOLETIM APE | OUT/DEZ 2022
VIAGENS | CRÓNICAS
 serviço de internet, para matar saudades de casa. No dia seguinte toda a equipa e umas centenas de kilos de material foram acomodados em 4 jipes, que nos levaram numa viagem de 8h até à última povoação, antes da entrada na cordilheira do Karakoram. Uma breve paragem para chá e biscoitos e seguimos direto para o nosso primeiro acampamento, Joula. Estamos a uma altitude de 3218m, faltam quase 5000m até ao topo do Gasherbrum II. A partir daqui será tudo a pé.
O nosso destino, o Campo Base do Gasherbrum, encontra-se a cerca de 85km a caminhar, a maior parte no famoso glaciar Baltoro. Este enorme “rio” gelado é alimentado por vários glaciares mais pequenos, que descem das montanhas circundantes, como se fossem afluentes que desaguam nesta enorme extensão de gelo, que se desloca a uma estonteante velocidade que pode chegar aos 200m por ano!
Nesta caminhada temos o apoio de vários carregadores paquistaneses que transportam todo o material da expedição, incluindo mantimentos, às costas e com a ajuda de burros e cavalos. Para muitos destes homens esta é a sua única fonte de rendimento durante o ano. Trajam roupas velhas, calçam sapatos remendados, fazem uma alimentação à base de chapatis (um pão achatado, sem fermento, que parece um crepe) e dormem amontoados em abrigos precários. Na minha opinião, uns verdadeiros heróis!
Fazemos 6 paragens em acampamentos intermédios, cada um a uma altitude superior, por forma a permitir a aclimatação do corpo. Apanhamos muito pó ao início, um pó fino que se entranha em todos os poros da pele e se deposita na roupa, tingindo-nos de um cinzento claro. À medida que vamos subindo o glaciar, o tempo muda e começa a nevar. A nebulosidade não nos permite admirar alguns dos pontos de referência da paisagem, como o Masherbrum (7821m), ou o K2, a segunda montanha mais alta do mundo, com 8611m.
Avançamos por entre a neve, algumas vezes mais fofa, o que dificulta a progressão. E é debaixo de um forte nevão que chegamos ao Campo Base do Gasherbrum II, a 5075m, 8 dias depois, o calendário marca a data de 20-jun. Durante as próximas 4 semanas esta será a nossa casa e é daqui que lançaremosasváriasrotaçõesquefaremosnanossamontanha, cada uma progressivamente mais alta, até que o corpo se adapte e consiga suportar os cerca de 8000m de altitude. A título de curiosidade, se fosse possível transportar uma
pessoa de helicóptero a partir do nível do mar para uma altitude de 8000m, o tempo de sobrevivência seria apenas de 3 minutos até o corpo falhar por completo. É por isso crítico que avancemos na montanha em incrementos até, no máximo, 600m de altitude de cada vez. No plano que traçámos, a primeira rotação levar-nos-á até ao Campo I, que fica no sopé do Gasherbrum II, a 5900m de altitude. Como a diferença para o Campo Base são de quase 900m, fazemos primeiro uma caminhada de aclimatação até aos 5500m. A segunda rotação terá por objetivo o Campo II a 6550m e a terceira e última rotação será a de ataque ao cume, que será lançado do Campo III a 7000m.
Para chegar a todos estes acampamentos temos de atravessar a Cascata de Gelo, uma zona onde o declive por onde serpenteia o glaciar aumenta, pelo que o rio gelado se parte em inúmeros blocos de gelo, alguns do tamanho de prédios de 5 andares. É uma das zonas mais perigosas da montanha, devido à instabilidade de alguns destes blocos de gelo, que se podem desprender e provocar uma avalanche. As incursões nesta zona acontecem por isso sempre à noite, quando está mais frio e o gelo mais estável.
Fomos a primeira expedição a chegar ao Campo Base, ao longo de vários dias observamos a chegada de outras equipas, que vão dando um colorido à zona onde se elevam as diversas tendas. São dias de descanso até ao início das rotações, 6 dias depois da nossa chegada.
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