Page 16 - Anexo do Boletim Numero 255 da APE
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PALAVRAS SOLTAS
Caminho dos Sonhos
Já tinha estado naquele lugar, num sonho anterior.
A vista continuava a ser bem diáfana e transparente, como se os caminhos assentassem em brancas nuvens cobertas por camadas leves de algodão. O ar era ameno e parecia espalhar perfumes de flores colhidas, recentemente nalgum jardim paradisíaco.
Súbito, estaquei, feliz e surpreendido.
De novo, me encontrava, inesperadamente, perante Florbela que, desta feita, se fazia acompanhar por uma senhora que trajava o hábito das religiosas. Também Florbela, surpreendida, surpresa e incrédula, me reconheceu e logo exclamou, cordial e efusiva:
- Poeta, que agradável coincidência! Antes do mais, deixa que te apresente uma nossa conterrânea, muito famosa na sua época, e que certamente, dela terás tido referência, Públia Hortênsia de Castro.
- Mas que alegria, meu Deus! Estou, finalmente, na presença de duas figuras femininas que Vila Viçosa não esquecerá. Minha amiga Públia, se assim me permite que a trate, gostaria de lhe mostrar todo o meu prazer por tão feliz encontro.
A minha admiração pela cultura Que o seu férreo labor acumulou, E a corte da rainha impressionou Com sua eloquência bem segura.
A fama dos seus dotes inda dura,
Até mesmo a fronteira ultrapassou, Se sua obra, ao presente, não chegou, Foi dos fracos suportes dessa altura.
Mas bastam referências que, legadas Por mestres de saber, e anunciadas Por pares seus iguais no pensamento,
Fazendo, a nós, chegar sua valia,
Pra que o povo se orgulhe, de alegria, Duma terra onde foi seu nascimento.
- Amigo, são tão gentis as suas palavras que me sinto ruborizar nestas minhas vestes conventuais.
- Públia – interrompeu Florbela – habitua-te, que o nosso amigo é pródigo em enaltecer tudo o que a Vila Viçosa se refere.
- Talvez por, dela ter saído muito cedo... mas era de ti (mais uma vez, apesar do nosso recente conhecimento, desculpa a forma familiar como te trato) e não de mim, que estávamos falando...
Em Coimbra estudaste essa ciência Dum mundo de homens, e foste capaz De, vestindo os trajes de rapaz, Mostrar a todos tua inteligência.
Em Évora, depois, com sapiência, Foste defender tese, loquaz,
Teu à vontade, tão simples e vivaz Deixou surpresa tão douta assistência.
Nesses dezassete anos, foste adulta, Eloquente, sábia, bela e culta, Brilhante juventude de menina
Que, num domínio de homens, foi dizer Que o saber também pode acontecer Com uma inteligência feminina.
- Oh!... Amigo!...Não sei que responder...
- ... desculpa interromper-te, mas ainda não acabei de enumerar os teus vastos conhecimentos...
Com curso de Artes na Universidade Terminaste também Filosofia, Dizem-te formada em Teologia
Que é cabal prova de tenacidade.
Foste uma protegida, nessa idade, Chamada à real corte, por valia, Por ti, se interessou Dona Maria, Sabendo-te com tal capacidade.
Depois, quando da morte da rainha, Ficaste abandonada e tão sozinha
Que, então, deliberaste, num momento,
Passar, sobre essa vida, limpa esponja, Envergares um hábito de monja, Recolhendo ao silêncio do convento.
15| Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • outubro a dezembro
------------------------ António Barroso Tiago 19460120