Page 17 - Anexo do Boletim Numero 255 da APE
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   - Poeta, quando descreves a minha vida, sinto-me voltar aqueles tempos em que o pensamento era uma forma íntima de sentir. Confesso que me emocionei com o meu percurso da juventude, mas em dada altura, concluí que era chegada a hora de parar e de me entregar a Deus.
- Cuida-te – acrescentou Florbela – que ele gosta de nos expor mesmo entrando na nossa privacidade.
- Não, não! Eu apenas reproduzo tudo aquilo que é do domínio público, porque o vosso nome ninguém poderá jamais excluir da história.
Pena foi, como diz António Costa
No seu livro “A Mulher em Portugal”, Século dezanove, no final,
Que não existam obras, em resposta.
Diz ele, numa forma que o desgosta, “Saber em que fogueira nacional
Teriam sucumbido, pra seu mal,
Os papeis que não deixam obra exposta.
Poemas em latim e português,
O livro de Palmos que ela fez Mais a correspondência reunida,
Sumiram, para sempre, sem deixar Que os vindouros pudessem admirar O admirável trabalho duma vida.
- Não conheço o autor que tal escreveu, mas já me constara que tudo aquilo que produzi não me sobreviveu.
- Não conheces esse escritor porque Dom António Costa, que te estudou, nasceu muito depois de ti, no século dezanove e o seu livro embora incompleto, foi somente publicado, postumamente, em 1892, no ano da sua morte.
Poemas publicaste numa imprensa Que, na época, estava muito incipiente, Que a máquina inventada era recente
E esse tempo era ainda de descrença.
Tua obra, fosse muito ou pouco extensa, (Flósculos Theologicales) guardaste
Com teu irmão, a quem a entregaste, Livro que ninguém mais lhe viu presença.
Assim, pouco nos resta pra admirar, Somente aquilo que é de ouvir contar Com muita admiração, com muito amor.
Alguém que, aos homens, deu uma lição De coragem, de força, abnegação,
Uma mulher notável, de valor.
- Meu amigo, quem se recorda agora, quase quinhentos anos passados, que alguma vez existiu Públia Hortênsia de Castro, uma pobre monja que abandonou a vida de sociedade para se dedicar a Deus?
PALAVRAS SOLTAS
- Recordo-me eu – interrompeu Florbela – recordo-me que, antes de deixar o mundo, teu nome estava escrito, a letras de ouro, na história de Vila Viçosa.
- Na verdade – continuei – desde que me conheço que ouço falar de ti, e tão elogiosamente, que sempre senti vontade de te conhecer, o que considerava impossível, até agora. Repara que Dom António da Costa no livro já referido, conta que, nessa época, André de Resende, numa carta a Bartholomeu de Frias, diz, a teu respeito, “A cousa mais para ver foi Públia Hortênsia, rapariga de dezassete annos, tão versada nas máximas de Aristóteles que, disputando em conclusões públicas com muitos sábios, não achou argumento, por mais cavilloso, que não solvesse com a maior prontidão e não menor graça”.
Teu nome é imortal, é uma glória,
Existe em cada esquina, em cada rua, Numa terra que é tua, e muito tua,
E que escreveu teu nome em sua história.
Para conservar a tua memória, Um lindo busto, nela, se situa, Que é belo, iluminado à luz da lua, E evoca uma figura bem notória.
O povo, em tua terra, tem presente Que teu nome é um culto permanente Sempre comentado em forma lendária.
Para que saiba, quem por lá passou, Vila Viçosa o teu nome colocou Encimando uma Escola Secundária.
- Muito grata fico às gentes da minha terra, mas agora reparo que se está aproximando o fim do teu sonho e temos de seguir o nosso percurso. Pena que estava gostando imenso, não dos teus elogios, que esses são demasiado pródigos, mas da forma como descrevias parte da minha vida.
- Espera... espera... que ainda não referi outra estudiosa dos teus feitos, Carolina Michaélis de Vasconcelos, que escreve: “Que palavras mysteriosas são as que acaba de inscrever como lemma na página aberta do livro que symboliza a sua erudição? Um versículo da Bíblia? Uma sentença salomonica que attrahira a sua attenção, e que procura interpretar, relembrando experiências pessoaes?”
- E, até de ti...
“Danti mihi sapientiam dabo gloriam.
Glorificarei a quem me fez sábia? A quem me deu sabedoria dar-lhe-ei gloria? Vou escrever o panegyrico do varão que me instruiu? Hei de louvar aquele que me mostrou o meu verdadeiro destino, abrindo-me as portas do convento? Ou antes: cantarei hymnos e psalmos ao Creador que, concedendo-me a minha inteligência, me fez ditosa? Ou ainda: Bemdirei a quem, nestas densas trevas que nos cercam, me deu sciencia, desvendando-me os mysterios da vida e da morte?”
Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • outubro a dezembro | 16






























































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