Page 10 - Boletim numero 255 da APE
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CFomo é viver nas Ilhas
izeram-me o desafio de escrever sobre como é viver nas ilhas, no caso, dos Açores. Não é fácil, atendendo que a minha visão é apenas a de um continental que
vive no meio do Atlântico há mais de trinta anos, e por mais tempo que viva nas ilhas nunca me tornará num ilhéu. Im- possível. Só o é quem nasce ilhéu.
A primeira resposta que me ocorre ao desafio, é dizer que viver nos Açores é viver numa terra de mitos, e é deles que me vou socorrer.
E o primeiro e é este: os Açores têm como capital Ponta Delgada. Errado.
A região não tem capital designada. E Ponta Delgada, sendo a maior cidade, nem sequer é a mais importante, nem a mais interessante, seja em termos arquitectónicos, seja em termos históricos. Esse papel cabe, sem dúvida, a Angra do heroísmo, cidade Património Mundial da unesco, a primeira com essa classificação no nosso país.
Já agora, para quem não sabe, o poder político e admi- nistrativo está distribuído por três ilhas, estando a repre- sentação da República sediada em Angra, na ilha Terceira, a presidência do Governo Regional em Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, e a Assembleia Legislativa Regional na horta, na ilha do Faial. As Secretarias Regionais, e respectivas Di- recções Regionais, estão também distribuídas por estas três cidades.
Segundo mito: quem visitou S. Miguel, já viu o que os Açores têm de mais bonito. quem conhece minimamente os Açores sabe que isto equivale a dizer que quem foi à torre Eiffel viu Paris. S. Miguel é, pela sua dimensão, apenas o destino mais acessível e o mais barato e, por isso também, o mais conhecido.
Os Açores profundos, onde é caro e difícil chegar, e de onde, muito frequentemente, é difícil partir, os Açores dos cachalotes (os bois-do-mar), dos baleeiros, dos grande es- paços e horizontes longínquos, da sensação de arquipélago, ficam para Ocidente, no Pico, ou em S. Jorge, ou nas Flores, ou no Corvo.
Terceiro mito: a natureza nos Açores está intocada. quem nos dera.
Se os biólogos dizem que no mar profundo a biodiversi- dade é rica, em terra os ecossistemas são muito frágeis e a biodiversidade pobre. A prova disso é o facto do Morcego- -dos-Açores (Nyctalus azoreum) ser o único mamífero endé- mico do arquipélago.
As espécies vegetais invasoras dominam na maioria das ilhas. A popular e vistosa hortência (Hydrangea macro- phylla) e a conteira (hedychium gardnerianum) são apenas duas delas.
A acção humana, aliada a uma baixa consciência am- biental das populações, tem um grande impacto em todas a ilhas. É possível encontrar lixo nos locais mais recônditos e inóspitos. Na costa, o hábito de lançar o lixo para o calhau ainda não desapareceu completamente.
Rogério Pereira
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Duas das aves de grande importância no equilíbrio dos ecossistemas locais, o priôlo (Pyrrhula murina, que só existe na ponta Leste de S. Miguel) e o milhafre (Buteo buteo ro- thschildi), estiveram à beira da extinção. As populações de cagarros (Calonectris diomedea borealis, uma ave fantástica da qual os Açores possuem a maior população do Mundo) e o garajau rosado (Sterna dougallii, uma bela e singular an- dorinha marinha que praticamente só existe no ilhéu da Praia, na ilha Graciosa), estão protegidas, mas diminuem todos os anos, essencialmente por acção do homem.
E no capítulo do ambiente nem sequer referi os dois grandes problemas da actualidade na região: a contamina- ção por partículas de plástico das areias da praia do Porto Pim, na horta, Faial (uma das mais graves do Mundo) e a contaminação por hidrocarbonetos dos solos junto da BA4 e da Praia da Vitória, na Terceira, causada pelas actividades do destacamento militar norte-americano nas Lajes.
quarto mito: a água nos Açores é abundante. O que é abundante, na grande parte dos anos, é a chuva não a água disponível.
Desde o povoamento que, em ilhas como a Graciosa p.e., garantir o abastecimento água sempre foi um problema. Mesmo na Terceira, em períodos de estiagem prolongada, a água falta. Acontece o mesmo com frequência em S. Jorge.
Passado todo este tempo, ainda não foi interiorizado que a água é estratégica e que as ilhas não podem dar-se ao luxo de ter ribeiras a lançar no mar muitos milhões de litros de água doce. Os períodos de seca são cada vez mais fre- quentes e armazenagem dessa água é vital. Os lençóis freá- ticos são também escassos e por vezes levados à exaustão. O resultado é água salobra nas redes públicas, como já acontece na Praia da Vitória, na Terceira.
quinto mito: o peixe nos Açores é abundante. Não é nem abundante, nem variado e as espécies mais valorizadas são exportadas na quase totalidade.
Devido à inexistência de placa continental, na região só existe o que, na minha terra, se chama peixe grosso e, infe- lizmente, os bancos de pesca, dos quais o mais importante é o Banco D. João de Castro, estão a ficar exauridos.
Outra consequência da inexistência de placa continental é a quase ausência de cheiro a maresia. Por outras palavras, o mar aqui não tem cheiro.
Sexto mito: o açoreano é um homem do mar. Alguns se- rão, mas a maioria não é. O açoreano é, na sua maioria, camponês, homem da terra e do gado, desligado do mar.
Sétimo mito: a culinária açoreana é rica. É impossível ter uma culinária rica com produtos de qualidade pobre. Tradi- cionalmente os pratos nem sequer previam a existência de
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*Foto do fundo de Rogério Pereira