Page 9 - Boletim numero 255 da APE

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Cândido Azevedo
19600364
Sabia que... a Colónia do Santíssimo Sacramen- to, vivendo tratados, cercos e guerras, mudou de mão entre portugueses e espanhóis por sete vezes? E que... num dos tratados, visando o seu povoamento, foi aplicada a política do “tiro de canhão”?
Com a restauração da independência de Portugal em 1640, a crise económica em que o país vivia não me- lhorou. A perda do lucrativo comércio da Ásia para holandeses e ingleses, acrescida de várias crises nos secto- res agrícola e industrial da economia nacional, faziam adivi- nhar um quadro sombrio sem resolução imediata. Entre- tanto no Brasil os comerciantes portugueses procuravam abrir nos territórios espanhóis um mercado consumidor de gado, couro e carne salgada bem como um caminho fluvial de acesso às zonas de exploração da prata e ouro no inte- rior sul-americano. A indefinição de fronteiras nas proximi- dades do rio da Prata, vizinho ao Brasil, e conhecido como a Banda Oriental do rio uruguai, terão levado D. Pedro II a considerar aquelas pretensões, pelo que manda fundar um entreposto fortificado na margem esquerda, possível de controlar o acesso de embarcações aos rios uruguai, Para- ná e Paraguai e terminar com o exclusivo do comércio dos barcos espanhóis.
quem se vai encarregar dessa fundação será o Governa- dor do Rio de Janeiro, D. Manuel Lobo que chega à bacia do Prata a 22 de Janeiro de 1680, iniciando de imediato a construção da fortaleza de São Gabriel, numa pequena ilha e de frente para Buenos Aires. O governador espanhol de Buenos Aires, Jose de Garro, ordenou de imediato uma ofensiva contra esta aspiração portuguesa. Centenas de soldados espanhóis e três mil índios guaranis atacam a 8 de Agosto, ataque esse que ficou conhecido por Noite Trágica, pois morreram 112 portugueses, todo o espaço foi saquea- do e feito muitos prisioneiros entre os quais Manuel Lobo que morreu na prisão em Buenos Aires.
Pelo Tratado Provisional de Lisboa de 7 de Maio de 1681, Sacramento volta à posse dos portugueses pois os dois reinos ibéricos chegaram a acordo, comprometendo- -se Portugal a não construir edifícios de pedra ou taipa, que caracterizassem uma ocupação permanente, mas podia construir uma cidadela com baluarte e fosso. Nascia a Coló-
nia de Santíssimo Sacramento. Para lá se dirigem famílias de agricultores, artesãos de várias especialidades, mem- bros do clero e soldados.
Em 1703, Portugal volta a perder a Colónia mais uma vez para a Espanha em 1705 (os acontecimentos europeus reflectiam-se, como é óbvio, nas colónias e Portugal havia enviado um exército, comandado pelo Marquês das Minas, que ocupara Madrid durante 40 dias, fazendo aclamar como rei o arquiduque Carlos III. Pelo segundo Tratado de utreque de 6 de Fevereiro de 1715, Santíssimo Sacramento é devolvido aos portugueses em 1716. Desta vez foi acor- dado aplicar-se a política do tiro de canhão, significando que os terrenos a ocupar não passaria do alcance de um tiro de canhão disparado dos muros da fortaleza. Entre tra- tados, cercos e guerras, pois a situação na Europa reflectia- -se nos territórios ultramarinos, a Colónia, entre 1680 e 1822, mudará de mão entre portugueses e espanhóis sete vezes, tendo permanecida portuguesa pouco mais de 90 anos.
A Colónia de Santíssimo Sacramento teve períodos de prosperidade, vivendo da salga de peixe, criação de gado, comércio de carne e couros, plantação de trigo e de contra- bando, este numa ligação associada aos ingleses. As zonas periféricas foram povoadas e exploradas por centenas de colonos transmontanos, o que desagradou aos espanhóis que, de imediato, fundaram uma colónia a oriente a que chamaram Montevideu, a actual capital uruguaia.
O Tratado de Santo Ildefonso de 1778 atribuirá defini- tivamente a Espanha este território dominado pelos portu- gueses. A Colónia do Santíssimo Sacramento voltaria ao domínio português, integrado na Província Cisplatina, em 1817, quando como represália à ação dos espanhóis por permitir que as tropas francesas cruzassem o seu territó- rio para invadir Portugal, D. João ordenou a invasão de Cis- platina.
Segundo a uNESCO a Colónia do Santíssimo Sacramen- to é um exemplo excepcional de povoado de fronteira, que mostra em seu traçado urbano e edifícios civis, religiosos e militares, uma mistura única entre as tradições portuguesa e espanhola, declarando em 1995 o bairro histórico como Património da humanidade.
(Tau Golin, Luís Almeida, Fabrício Prado. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).
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