Page 4 - Anexo do Boletim 253 da APE
P. 4

      06 horas da manhã, refere que não houve novidades no seu estado de saúde, mas que às 05 horas e 16 minutos a ma- nhã, “teve então um ligeiro ataque nervoso, que apenas du- rou dois minutos”. No 5.o Boletim, datado de 6 de março às 07 horas da tarde, o estado de saúde do monarca agrava-se fortemente, com “novos insultos nervosos, que se repetiram amiudadamente” e “um deles foi tão violento que, rece- ando-se muito pela preciosa vida de sua majestade” admi- nistraram-lhe a extrema-unção, depois de se ter confessado e sacramentado. Curiosamente, depois disto e segundo esse mesmo Boletim, D. João VI começa a experimentar al- guns alívios e, depois de um sono de três horas, acorda com reconhecidas melhoras.
Com data do dia 06 de março, surge então o tal de- creto. D. João VI encarrega do governo a “infanta D. Isabel Maria, minha muito amada e prezada filha, juntamente com os conselheiros de Estado, o cardeal patriarca eleito, duque de Cadaval, marquês de Valada, conde dos Arcos, e o conse- lheiro ministro e secretário de estado em cada uma das seis respetivas secretarias de estado (...). E esta minha imperial e real determinação regulará também para o caso em que Deus seja servido chamar-me à sua santa glória, enquanto o legítimo herdeiro e sucessor desta coroa não der as suas providências a este respeito. (...) Palácio da Bemposta, em 6 de março de 1826. (Com a rubrica de sua majestade o impe- rador e rei)”. Nos 7.o, 8.o, 9.o e 10.o Boletins, datados de 07 de março às 10 horas da manhã, às 02 horas da tarde, às 06 horas da tarde e às 10 horas da noite, diz-se que o monarca continua em melhoras progressivas.
No 11.o Boletim, datado de 08 de março às 02 horas da manhã, o monarca “continua em suas progressivas me- lhoras, e tudo concorre para podermos brevemente anun- ciar que sua majestade se acha livre de perigo”, afirmação que é reforçada, no 12.o Boletim, datado de 08 de março às 06 horas da manhã, com a permanência das melhoras do seu estado de saúde que “continuam a firmar as esperanças que temos concebido e que anunciámos no boletim antece- dente”. Nos 13.o, 14.o, 15.o e 16.o Boletins, também todos datados do dia 08 de março, refere-se que o monarca con- tinua a apresentar melhoras, o mesmo acontecendo nos 17.o, 18.o, 19.o e 20.o Boletins, já datados de 09 de março.
Porém, no 21.o Boletim, datado de 09 de março às 07 horas da tarde, o monarca “foi infelizmente acometido de um novo insulto nervoso às seis horas da tarde, do qual principia a restabelecer-se”. No 22.o Boletim, datado das 10 horas da noite, o monarca continua a restabelecer-se, o mesmo vindo referido nos 23.o e 24.o Boletins, já datados de 10 de março, às 02 horas e 06 horas da manhã, respeti- vamente. No 25.o Boletim, também datado do mesmo dia, refere-se que o monarca sofreu “às oito e mais horas um delíquio, que durou dois minutos”. No 26.o Boletim, datado do mesmo dia, refere que “à uma hora e dezassete minutos foi acometido de um novo insulto nervoso, do qual, achando-se restabelecido, teve nova repetição às duas ho- ras”. Finalmente, no 27.o Boletim, datado de 10 de março de 1826, às 10 horas da noite, refere-se que “Sua majestade imperial e real, que Deus há em glória, tendo continuado a sofrer repetidos insultos nervosos (...) terminando desgraça- damente por uma síncope, à qual se seguiu a morte mais calamitosa para os portugueses (infelizmente verificada até
pelas experiências elétricas), às quatro horas e quarenta mi- nutos”.
A recente exumação que se fez das vísceras de D. João VI confirmou a elevada concentração de arsénico exis- tente no seu corpo e que seria suficiente para matar até duas pessoas, confirmando-se assim as suspeitas de que o monarca havia sido assassinado. Mas é de salientar que a presença de veneno era de tal forma elevada que a sua morte, a não ocorrer no próprio dia do envenenamento, ocorreria então, por certo, no dia seguinte. Assim sendo, é possível equacionarmos que a morte de D. João VI não te- nha ocorrido no dia 10 de março, mas antes, logo no dia 05 de março.
E se assim tiver sido, houve tempo suficiente para surgir o tal decreto com data de 06 de março, que assinado alegadamente pela viva mão de D. João VI, afastava D. Car- lota Joaquina da função de regente e instituía aquela junta para governar até que o legítimo herdeiro e sucessor da co- roa provesse a esse respeito, que o mesmo era dizer, tendo em linha de conta quem escrevera esse decreto, que a tal legitimidade (discutível a todos os títulos, diga-se em abono da verdade) pertenceria ao Imperador do Brasil D. Pedro I, e não, como era bem de ver, ao infante D. Miguel.
Estudos recentes feitos ao decreto aludido e à assi- natura de D. João VI inscrita no mesmo, concluíram que a assinatura é falsa. Ou seja, o documento foi forjado. Embora com ele se tenha procurado impedir o regresso do absolu- tismo a Portugal, isso não foi conseguido. E hoje pode
mesmo questionar-se se os efeitos desse decreto - crise de sucessão e discussão de legitimidade, no mínimo - não aca- baram afinal por ser ainda mais prejudiciais - recorde-se a Guerra Civil, depois iniciada - para aquele Portugal que es- tava enfraquecido economicamente, financeiramente e so- cialmente depois das invasões francesas.
Como sempre, não havia nada de novo debaixo do sol.
 3| Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • abril a junho
























































































   2   3   4   5   6