Page 3 - Anexo do Boletim 253 da APE
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sequer teve tempo para se preparar convenientemente para as funções acometidas ao cargo de rei de Portugal. A infelicidade da doença mental que afligiu a sua mãe, a rai- nha D. Maria I, implicou que o príncipe D. João a substituísse no despacho logo desde 1792, tendo em 1799 passado a exercer em plenitude as funções de regente. Depois, a cir- cunstância das invasões francesas e a retirada da Corte para o Brasil (em 27 de novembro de 1807), logo aquando da pri- meira delas, acabaria por marcar indelevelmente a sua re- putação, independentemente de se poder dizer que essa fuga ou essa transferência da Corte para o Brasil, teria sido altamente estratégica e criteriosamente alinhada com os in- teresses superiores de Portugal.
A Guerra Peninsular ocorreu entre 1807 e 1814. E com a grande derrota de Napoleão Bonaparte, ou melhor, com a sua segunda grande derrota, as coisas haviam mu- dado muito em Portugal. Mas já lá vamos. Recordemos, en- tretanto, que o antigo imperador de França havia conse- guido fugir da ilha de Elba aquando do seu primeiro exílio, mas depois, aquando do seu segundo exílio, agora já na lon- gínqua ilha de Santa Helena, um cancro no estômago ou uma úlcera ou então um oportuno envenenamento, dita- ram que a sua morte - que já há muito tardava - o levasse finalmente deste mundo para o inferno. E, curiosamente, que nem sequer o inferno o levasse inteiro, como bem ates- taria a iniciativa do médico que o autopsiou e o vingativa- mente diminuiu de parte do corpo que lhe seria particular- mente cara. Enfim, para quem matou com as três invasões francesas a Portugal, a cifra de 200.000 portugueses, não há palavras meigas nem qualquer comiseração com um pulha daquele calibre.
Napoleão Bonaparte deixou-nos um Portugal com- pletamente arruinado, destruído e esmagado. A ferocidade das batalhas e a estratégia aliada seguida para derrotar os franceses, haviam levado a que Portugal ficasse com a sua
indústria arruinada, a sua agricultura aniquilada e o seu po- tencial, de uma forma geral, ficasse muito diminuído e fra- gilizado. Ainda assim, as raízes para a emergência do libera- lismo encontraram algum terreno fértil em Portugal para se desenvolverem. Não aconteceu em todo o reino, até por- que, como não muito mais tarde teríamos oportunidade de constatar na Guerra Civil, o Portugal profundo e rural não comungava do otimismo liberal e maçónico que proliferava em crescendo nas grandes cidades.
Obrigado a regressar a Lisboa, o rei D. João VI desem- barcou em 4 de julho de 1821 e jurou a nova Constituição. Mas a maneira imatura e incapaz como as Cortes em Portu- gal lidaram com a situação brasileira, levou a que um ano mais tarde, o seu filho D. Pedro, que ficara no Brasil exer- cendo as funções de regente, declarasse a independência desse novo império. Para acrescer aos problemas que D. João VI já tinha, era notório que o liberalismo não agradava a todos e, assim, ergueu-se um movimento absolutista, que entre outras marcas distintivas das suas ações, poderemos destacar a Vilafrancada e a Abrilada que culminaram em fim de linha com o exílio do infante D. Miguel e com o aprisio- namento em Queluz para a conspiradora rainha D. Carlota Joaquina.
O clima governativo continuou agitado em Portugal, mas a verdade é que era muito pouco curial que se retroce- desse no sistema político que estava em vigor, pese embora a evidente e cada vez mais acirrada disputa pelo poder. Como alvo a abater, encontrava-se o rei D. João VI, cada vez mais fraco e debilitado. As traições e as conspirações suce- diam-se nos bastidores. No entender de alguns, tinha che- gado a hora de colocar um fim definitivo à infeliz existência daquele rei bondoso, que nunca deixou de perdoar a quem lhe pedisse perdão (e daí o seu cognome: “O Clemente”). No dia 4 de março de 1826, depois de ter tomado uma re- feição de galinha, acompanhada de umas laranjas doces co- lhidas no Palácio da Bemposta e ainda de uma torrada, sen- tiu-se indisposto com consequentes vómitos, convulsões e “insultos nervosos”.
Os Boletins sucessivos emitidos no Palácio da Bem- posta são elucidativos. No 2.o Boletim diz-se que D. João VI “tem continuado a passar melhor” e no 3.o Boletim, datado de 5 de março às 11 horas da noite, refere-se que “Sua Ma- jestade imperial e real continua a experimentar melhoras re- lativamente aos insultos nervosos, que há dezoito horas não se têm repetido”. No 4.o Boletim, datado de 6 de março, às
Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • abril a junho | 2