Page 34 - Boletim nº 251 da APE OUT a DEZ de 2018
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EvoCaÇÕES
A MINHA PRIMEIRA IDA A UM GRANDE ESTÁDIO DE FUTEBOL
Numa altura em que, perigosamente alastra a violên- cia, não só física, mas também verbal e o vale tudo para ganhar é uma constante no desporto, queria deixar aqui o testemunho da primeira vez que fui ver um jogo de futebol num grande estádio.
Quando, em 1 de Outubro de 1969 ingressei no Pilão, jamais tinha assistido a um jogo de futebol num grande es- tádio e, nem sequer de divisão superior aos Distritais. O El- vas CAD, clube da minha cidade natal, embora tivesse pas- sagens pela primeira divisão nacional, estas tinha sido já na longínqua década de 1940. Nos Domingos de jogo pedia a um tio meu, diretor do clube e acompanhava-o ao pelado.
Desde muito miúdo que adorava participar ou assistir a uma “jogatana” de futebol. Muitas palmadas levei da minha mãe por rasgar a roupa, ou esquecer a hora de jantar.
Sendo a minha cidade rodeada de grandes e altas mura- lhas, tem fossos largos e fundos. Esse era o espaço ideal para horas e horas de futebol. Bastas vezes a minha mãe me foi buscar aos fossos e levar-me para casa debaixo de uns valentes “caldos”. Como não tivéssemos televisão em casa, lembro que o primeiro jogo que vi de um grande, foi acom- panhado pelo tal meu tio, numa sociedade recreativa. Aca- démica – Vitoria de Setúbal, final da Taça de Portugal. Eu teria 8 ou 9 anos de idade.
Já no Instituto, comecei logo a magicar a forma de ir ao estádio da Luz, até porque tinha um fraquinho pelo Benfica. Como a entrada era á borla, o difícil era sair do instituto legalmente. O meu encarregado de educação (Pai), não dera autorização de saída sozinho.
Comigo entrou um rapaz do Vimioso, o 118 Ramiro que, tinha um irmão mais velho no Pilão, o 25 que, salvo erro, era á data o Comandante Aluno da 4a Companhia. Na convi- vência diária com o 118, apercebi-me que ele ia com o ir- mão ver o futebol á Luz nesse Domingo. Era um Benfica/ Belenenses. Meti uma cunha ao 25 para que me levasse. De maneira muito paciente como era seu hábito, escutou os meus argumentos e lá acedeu. Falou com o Oficial de Dia para que me deixasse sair. Ele, como mais velho, assumiria a responsabilidade. A esta distância creio que era o Tenente Barreto o Oficial de Dia, o qual não levantou grandes obje- ções. Apenas teríamos de estar presentes á distribuição da 3a refeição.
Era o dia 25 de Janeiro de 1970. Como fizesse frio e ame- açasse chuva, além da farda no 1 levámos capote. Ficámos nas primeiras filas por detrás da baliza. Inicia o jogo e com ele vem chuva a potes. O árbitro começa a ser apupado pelos adeptos benfiquista que, reclamam a não marcação de um penalti. Como se não bastasse, aos 36 minutos,
Manuel António Neves Martins
1969216
expulsa o José Torres do Benfica, por suposta agressão ao jogador do Belenenses, Freitas.
Nova decisão polémica e sobe o tom dos protestos, os adeptos começam a aproximar-se do retângulo de jogo. Nós, empurrados pelo pessoal dos lugares de trás, já está- vamos de pé pertíssimo do campo de jogo.
Já não me conseguia mexer. Como se não bastasse a multidão a empurrar, a chuva constante tinha transforma- do o capote numa camisa-de-forças. A dois minutos do in- tervalo, o jogador do Benfica Malta da Silva, tem uma entra- da violenta sobre um adversário e recebe ordem de expul- são. Foi a gota que faltava para entornar o copo. Uma multidão em fúria entra em campo para agredir o homem do apito, Sr. João Nogueira. Só se viam guarda-chuvas pelo ar. Ainda vislumbrei o Toni, jogador do Benfica, empurrar o árbitro pelas escadas do balneário subterrâneo. Não conse- gui ver mais nada, fui literalmente atropelado e foi com di- ficuldade que saímos do estádio. Viam-se GNR’s a cavalo e PSP’s de bastão a dispersar os mais de 3 mil invasores, número publicado num jornal desportivo no dia seguinte. De entre os feridos havia um homem com uma perna fura- da por um guarda-chuva. Belo presente de aniversário de- ram ao Eusébio que, nesse dia, fazia 28 anos de idade.
No regresso ao instituto, ouvíamos os comentários dos transeuntes. Não mais me esqueci de um que acabou por ficar famoso:
– Saiu o Malta da Silva e entrou a Malta da Selva.
E pronto, embora traumática esta aventura, não impe- diu que continuasse a gostar de futebol e, sempre que me é possível ir aos estádios. No entanto não alinho em violên- cia, embora me custe muito perder, até a brincar.
32 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Outubro-Dezembro 2018