Page 12 - Boletim nº 251 da APE OUT a DEZ de 2018
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Cultura E ConhECiMEnto
PELAS MALHAS DO ANTIGO
IMPÉRIO
NAS ÁGUAS DO ATLâNTICO
Sabia que ... 2.000 crianças judias de ambos os sexos, fo- ram enviadas em 1493 por D. João II, para a primeira colo- nização forçada desta ilha? E que... jogar com dados fal- sos ou “concubinato com um padre” também eram moti- vos para o degredo em São Tomé?
A IlhA dE SãO TOmé
A ilha de São Tomé foi descoberta em 1471 por João de Santarém e Pedro Escobar. Por se situar a mais de 120 mi- lhas da costa, estava desabitada. O primeiro capitão-mor foi João de Paiva em 1485, mas o povoamento das ilhas só se iniciou verdadeiramente com a doação da capitania, em 29 de Julho de 1493, ao cavaleiro Álvaro de Caminha.
Com este capitão terão ido alguns casais de moradores, escravos e outros que D. João II mandou: gente degredada e 2.000 crianças judias de ambos os sexos, baptizadas antes de embarcar, filhos de judeus castelhanos entrados em Por- tugal em 1492. O clima inóspito, os animais selvagens, prin- cipalmente os “lagartos gigantes” e a fome foram um calvá- rio para estas crianças. Passados uns anos verificou-se que o peso da origem religiosa, e não a cor da pele, veio a ser mar- cante no povoamento porque impeditiva nas relações e in- timidades por parte dos colonizadores brancos, isto é, estes preferiam unir-se às negras africanas que às brancas judias sobreviventes, surgindo assim um terceiro grupo, o dos “pardos”. Razão para o degredo para a ilha era também al- guém jogar com dados falsos. Anteriormente, os jogadores desonestos eram punidos com a morte, mas a necessidade de gente e mão-de-obra nos territórios da Expansão leva a que D. Afonso V nas suas “Ordenações” a substitua pelo açoi- te público e degredo nesta ilha da costa africana. Também o incesto, “concubinato com clérigo”, “mixórdia de alimentos” eram crimes puníveis com o degredo em São Tomé.
Resultante da miscigenação de gente com culturas e mentalidades diferentes, sujeito a excessos de toda a or- dem, surgirão as primeiras revoltas e retaliações dos escra- vos. A mais feroz de todas foi liderada pelo escravo Amador, ocorrida em 1595, que aproveitando o estado de conflituo- sidade entre o governador e o bispo e a agitação social exis- tente, liderou a maior e mais sanguinária das revoltas, pro- vocando centenas de mortos. Outros escravos, evitando a morte em confrontos com a autoridade, fugiam para o ina- cessível interior da ilha juntando-se aos “quilombos ou mo- cambos” (comunidades) de um grupo de escravos náufra- gos saídos de Angola. Os seus descendentes ficaram conhecidos como os “angolares”.
Cândido de Azevedo
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De entre o seu quotidiano, no trajar dos nativos ainda hoje ganha relevo a “coroa do matrimónio”, nada mais que um lenço à roda da cabeça que as mulheres casadas da ilha usam em todas as circunstâncias como prova de fidelidade aos seus maridos, pois a quebra da tal “coroa” corresponde ao adultério.
Aconteceu nas ilhas de S. Tomé e Príncipe o único exem- plo de aculturação teatral afro-europeia, os tchilôli, tam- bém conhecidos por “as Tragédias de São Tomé”. São repre- sentações teatrais, em que os textos clássicos como a “Tra- gédia do Marquês de Mântua” (em S. Tomé), ou o “Auto da Floripes” (no Príncipe) proporcionam um excelente espec- táculo híbrido de fórmulas europeias, representações que constituem ainda hoje uma das mais apreciadas festas dos naturais destas duas ilhas, geralmente realizadas no largo da igreja por ocasião das festas. Estas peças possuem um acompanhamento musical discreto e monótono, arrastan- do-se por horas intermináveis, sem pressas, ora a ritmo len- to, ora a ritmo rápido, que adensando a tragédia a conduz a um clímax de grande excitação. Julga-se que estas repre- sentações foram levadas no século XIX por agricultores do Minho, que foram chamados para dirigir o cultivo de café e do cacau, as duas grandes produções agrícolas destas Ilhas.
O paradisíaco ilhéu das Rolas, que dista a poucos metros do sul da ilha de São Tomé, apresenta a particularidade de ser atravessado pela linha do Equador.
(Raimundo Mattos, António Ambrósio, Luís Pinheiro, Cristina Sera- fim. Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).
10 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Outubro-Dezembro 2018