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CróniCaS
Nós E Os “OuTrOs”
OHomem vive de comparações. Não só, mas tam- bém de comparações. Compara o pai com a mãe, compara-se com os irmãos, com os vizinhos, com os primos, com os colegas da escola, com este e com aque- le. Vive a vida a comparar.
E porquê?
simplesmente porque tudo é relativo e desejamos sem- pre ou quase sempre mais do que temos! Fazemos compa- rações para cima e jamais para baixo. Nunca ou quase nun- ca comparamos o que os outros não têm com aquilo que nós temos, mas comparamos o que não temos com o que os outros têm! Fulano é mais rico, tem mais saúde, tem uma casa melhor, tem um carro mais caro, passa férias em gran- des hotéis, viaja muito, veste a preceito, enfim, os filhos dele têm grandes empregos...
Curiosamente, é mais raro darmos conta daquilo que os outros acham que nós temos melhor; só quando nos julga- mos vítimas de inveja!
Vejamos.
Esta comparação para cima não é, em sentido absoluto, uma coisa má! É esta comparação que nos pode incentivar a progredir, a melhorar o que julgamos poder melhorar, contudo, em sentido relativo, é um sintoma de mal-estar com e na vida. Não nos deixa olhar para nós mesmo e não nos dá a possibilidade de usufruirmos do que de bom cada um de nós tem. E se o excesso de nos olharmos conduz ao narcisismo e, consequentemente, à vaidade, a ausência dessa auto-atenção leva-nos ao desprezo de nós mesmos e – quem sabe? – à necessidade de ver nos outros, e desejar, aquilo que também temos.
Vem tudo isto a propósito de nós mesmos e da nossa Escola.
Há, entre nós, sempre alguém desejoso de nos compa- rar a outra Escola semelhante nas características, mas não na essência, colocando-a num patamar acima do nosso. Jul- go que é tempo – cento e sete anos dão-nos estatuto e força moral – de olharmo-nos sem preconceitos nem comi- serações inapropriadas.
Temos, atrás de nós, gerações de gente ilustre nos mais variados domínios – domínios práticos, produtivos e repre- sentativos – que nos ajudaram a projectar a Casa que foi berço da nossa educação. Mas estes argumentos são banais e corriqueiros. Temos de ir um pouco mais longe para ver- mos, em conjunto, como e, acima de tudo, porquê não te- mos de nos comparar em plano de inferioridade.
Antes do mais, o nosso Instituto foi vocacionado para nos fazer entrar, com preparação, na vida prática. Vida práti- ca era e é conseguir começar a ganhar o pão de cada dia
luís Alves da Fraga
19540282
logo após deixar de estudar. Esta extraordinária vantagem não tem sido devidamente valorizada por nós – pelo me- nos, enquanto colectivo – é que o trabalho profissional, por ser especializado, dava entrada em carreiras, possibilitando subidas nas diferentes hierarquias. É esta mole de antigos alunos, que se perde no anonimato, mas um anonimato profundamente útil a todo tecido social. Foram os agentes técnicos das diversas engenharias, até à década de 40 do século XX, que se empenharam em empregos do Estado, na indústria mineira, na mecânica em Portugal e nas antigas colónias onde assumiam responsabilidades muito acima do que era expectável. Eram os contabilistas das grandes empresas, tanto na metrópole como no ultramar, nas Finan- ças, nos organismos estatais, nas grandes casas bancárias que, passando despercebidos dos órgãos de comunicação – jornais e rádio –, eram fundamentais para o andamento ordenado da nossa economia.
É verdade que, saídos da nossa Casa, não tinham a visibilidade dos grandes nomes da política, do ensino, da diplomacia, mas, também aqui, há que ter cautelas, porque pode deixar-se a pergunta:
O que é ter visibilidade em certas funções?
Depois, depois é preciso ter em conta a inutilidade de um curso generalista – como era o antigo curso dos liceus – que não habilitava para mais nada que fosse além da fre- quência de cursos superiores. Ora, nem toda a gente com quem nos comparámos, no passado, frequentou ou con- cluiu um curso superior!
Mas se nos olharmos pelo lado positivo e tomarmos em conta os cento e sete anos de existência e o pequeno perí- odo de cerca de vinte anos em que não houve cursos mé- dios de indústria, verificamos que chegámos muito longe em termos de gente que se destacou da forma que é usual considerarmos o destaque, que damos a outros. Temos mé- dicos, advogados, engenheiros, professores universitários, escritores, políticos, sacerdotes, oficiais generais dos três ramos das Forças Armadas, da Guarda Nacional republica- na, das Forças de segurança, desportistas, empresários bem-sucedidos e, ainda, todo o imenso conjunto de técni- cos de alto gabarito reconhecidos entre fronteiras e no es- trangeiro. somos uma Escola de sucesso, com mais razões para causar inveja do que para a ter de “outras”. Assim, é tempo de começarmos a desenvolver uma cultura de brio e superioridade sem complexos de inferioridade.
sei que poderei chocar alguns antigos alunos, porque dizem não se identificar com o meu juízo, mas sei, também, que a frontalidade das minhas palavras vai tocar aqueles que, em consciência, sabem que tenho razão.
Almada, junho de 2018.
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Julho-Setembro | 5