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EM FOCO APE 13
BOLETIM APE | JUL/SET 2023
não nos sentirmos sós e mais
quentinhos, dormíamos em
quartos muito grandes de trinta ou
quarenta camas.
A vida era dura, a olaria
começava a laborar às seis da
manhã quando um corneteiro
tocava à alvorada, claro que não achávamos piada nenhuma,
aquilo não eram horas de levantar um puto da cama no
Verão, quanto mais no Inverno gelado.
O dia de trabalho terminava às dez da noite quando o
mesmo corneteiro tocava a recolher, e lá iam os barritos para
a cama.
Quando caíamos na cama estávamos tão amassados
que alguns nem acordavam para ir à casa de banho…eram
A OLARIA DE S. DOMINGOS DE BENFICA
A Olaria de S. Domingos de Benfica é a mais nova das
três olarias da família militar. Foi fundada em 1911, no dia 25
de Maio, faz hoje 105 anos. Foi seu pai fundador um oleiro
famoso da 1ª República, o General António Xavier Correia
Barreto, que entre muita coisa boas que fez, uma foi inventar
a pólvora Barreto, e outra foi a criação de uma escola para
acolher os órfãos e os filhos dos militares mais humildes, e
fazer deles homens úteis à Pátria. Ocupou o antigo convento
de S. Domingos de Benfica, e na sua capela repousam os
restos mortais de D. João de Castro.
Foi fundada para trabalhar o barro proveniente das
classes mais pobres da família militar, e que os republicanos,
dentro do seu espírito humanista, entendiam também dever
ser aproveitado.
A primeira olaria, foi fundada em 1803 pelo mestre oleiro
General António Teixeira Rebelo, e depois de andar de um
lado para o outro assentou arraiais na Estrada da Luz em
1859, e ainda lá está. Ultimamente tem andado na berlinda…
há sempre uns invejosos que querem nivelar todos por
baixo…
Nela só se trabalhava barro de proveniência certificada,
chamado barro de primeira escolha, e lá se produziram
preciosas peças de porcelana que enfeitaram conselhos de
administração, gabinetes presidenciais e ministeriais.
A segunda olaria foi fundada em 1900 pelo mestre oleiro
D. Afonso de Bragança, em Odivelas, num antigo convento
de freiras e destinava-se ao barro do sexo feminino, porque
naqueles tempos o barro tinha de permanecer puro e sem
misturas. Ali trabalhavam-se barros das duas proveniências,
porém sem grandes misturas entre eles, até que na segunda
década do século XXI, um parvalhão de um ministro acabou
com ela e fundiu-a com a primeira olaria.
A olaria de S. Domingos, aquela onde fui amassado e mol-
dado, todos os anos recebia uma fornada de barro novo, que
depois de ser trabalhado durante uns anos, e expurgado das
impurezas, ia produzindo umas peças de loiça que lançava
para a vida, e principalmente para a vida militar.
Foi à Olaria de S. Domingos que eu fui parar numa manhã
do dia sete de Outubro de 1956.
O meu pai entendeu que eu teria de me transformar
numa “boa peça”, e vai daí, mandou-me para lá, e entregou-
me às mãos daqueles mestres.
Naquele ano entrámos 74 pedacinhos de barro em bruto,
e chegaram ao fim 48 peças devidamente moldadas. Ficaram
pelo caminho 26, que foram rejeitados pelas mais variadas
razões, a principal talvez, porque não conseguiram receber
os temperos com que se faz uma boa peça de faiança.
Algumas peças foram longe, chegaram a Almirantes,
Generais, Engenheiros, Economistas, Gestores, Técnicos das
mais variadas artes.
A olaria era um casarão enorme, muito frio e
desconfortável, como todos os antigos conventos, e para
Nota de Editor: Poucos são os que não conhecem ou conheceram o Manuel Talhinhas, nós a equipa do Boletim
recordamo-lo como uma pessoa alegre, simpática, afetiva e sempre bem-disposta. Um apoiante da APE e do nos-
so trabalho no Boletim. Raramente falhava um evento, quer fosse na APE, quer fosse no IPE. E por isso, neste bole-
tim em que damos conta do seu falecimento, queremos recordá-lo e homenageá-lo com um dos seus escritos mais
emblemáticos.
Até sempre amigo Manuel Talhinhas, relembramos nesta hora de despedida Humphrey Bogart no filme Casablanca
numa frase de despedida que se tornou emblemática, referindo-se a momentos e pessoas inesquecíveis, diz
“ E nós teremos sempre Paris”, pois nós teremos sempre a “Olaria de S. Domingos de Benfica”.





















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