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CULTURA E CONHECIMENTO
12 BOLETIM APE | JUL/SET 2023
Planetas TatooineAlexandre Correia*
No céu noturno podemos observar milhares de
estrelas. Aparentemente todas elas estão separadas
umas das outras por grandes distâncias, mas na
realidade não é bem assim. Se apontarmos um telescópio
para algumas dessas estrelas, descobrimos que muitas vezes
em vez de uma, são duas ou três. Com efeito, muitas das
estrelas não são solitárias como o nosso Sol, elas existem
aos pares (sistemas binários) ou até mais (sistemas triplos,
quádruplos, etc).
Na verdade, cerca de metade das estrelas que existem
na nossa galáxia constituem sistemas binários. A explicação
reside no processo de formação. As estrelas formam-se em
nuvens moleculares que correspondem a zonas de grande
concentração de átomos de hidrogénio e hélio, os dois
elementos mais abundantes no Universo. Por vezes, estas
nuvens moleculares são perturbadas por agentes externos
(por exemplo, por campos magnéticos ou pela gravidade)
e, quando a densidade aumenta demasiado, as estrelas
começam a formar-se.
As nuvens moleculares são assim conhecidas por berçários
de estrelas. Quando se inicia a formação de estrelas, formam-
se muitas de uma só vez. No final obtemos um aglomerado de
estrelas que pode conter milhares ou até milhões delas. No
entanto, como as estrelas possuem velocidades diferentes,
à medida que o tempo vai passando, vão-se afastando umas
das outras e ficando dispersas pela galáxia. Mas nem todas
as estrelas se dispersam. Algumas formam-se demasiado
próximas e ficam ligadas pela sua atração gravitacional. São
estas que dão origem a sistemas múltiplos. Por exemplo, a
“estrela” mais próxima do Sol, a Centauro, na realidade é um
sistema triplo, constituído por duas estrelas semelhantes ao
Sol e uma terceira mais pequena.
Durante muito tempo os cientistas questionaram-se se
existiriam planetas em torno de sistemas binários. Estes
planetas foram até antecipados pela ficção científica sendo
Tatooine, o planeta natal de Luke Skywalker
da saga “Guerra das Estrelas” que possuía
dois sóis, o mais conhecido. A existência
de um verdadeiro planeta deste tipo só foi
confirmada de forma inequívoca em 2011,
tendo recebido o nome de Kepler-16b. Este
planeta foi descoberto através do telescópio
espacial Kepler que usa a técnica de deteção
dos trânsitos (ver Boletim #251). Estes
planetas especiais que orbitam em torno de
duas estrelas recebem o nome de “planetas
circumbinários”. Atualmente conhecemos
cerca de 25 planetas deste género.
O mais recente planeta circumbi-
nário a ser descoberto foi anunciado
no passado dia 12 de junho, de nome
BEBOP-1c. Este planeta tem a particularida-
de de ser o segundo planeta que existe nes-
te sistema binário. Além disso, foi o primei-
ro planeta circumbinário a ser descoberto
através da técnica das velocidades radiais.
Esta técnica, muito utilizada para descobrir
planetas em torno de estrelas solitárias (ver Boletim #234), não
é fácil de aplicar quando se observam estrelas binárias, pois a
luz de uma estrela confunde-se com a da outra. Com o método
inovador de análise da velocidade radial, empregue na desco-
berta deste planeta, espera-se agora descobrir muitos mais.
Todos os planetas circumbinários descobertos até hoje
são planetas bastante maiores do que a Terra. Assim sendo,
na verdade nenhum deles poderá ser uma versão real do
planeta Tatooine que teria condições para albergar vida tal
como conhecemos. No entanto, sabemos hoje que planetas
em torno de duas estrelas existem e não são ficção. As
técnicas de deteção atuais são mais sensíveis para planetas
de maiores dimensões, mas com o avanço da tecnologia
espera-se no futuro poder descobrir muitos dos Tatooine’s
escondidos pela galáxia fora.
*Professor Associado – Departamento de Física – FCTUC
Grau:
- Universidade de Lisboa, 1997: “Licenciatura” (N.Sc) em Física;
- Universidade de Paris VII/Observatório de Paris, 1998: “DEA” (M.Sc) -
Astrofísica;
- Universidade de Paris VII/Observatório de Paris, 2001: Phd – Dinâmica do
Sistema Solar;
- Universidade de Genova/Observatório de Genebra, 2003: Phd – Pós-
doutoramento - Explanets;
- Universidade de Aveiro, 2014, “Agregação” (Habitação) em Física.
Nota de Editor: O Alexandre Correia, juntamente
com o português João Faria, fez parte de uma equipa
internacional de astrofísicos, que detetaram um segundo
planeta extrassolar que orbita duas estrelas (o primeiro foi
descoberto em 2020), tendo sido anunciado a descoberta
no passado dia 12 de junho de 2023, pela Universidade
britânica de Birmingham que liderou o trabalho.







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