Page 54 - Boletim APE 269

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Ramiro Nolasco
19740268
PALAVRAS SOLTAS
BOLETIM APE | ABR/JUN 2023
Pai que é pai, sabe cair.
Sábado, oito da manhã, céu aberto de Sol e frio, café ansiado, tal como o cigarro que o acompanha, esplanada, quase vazia, sobre um passeio que se
esqueceu que era fim-de-semana e preparou-se, à hora do costume, para os passos dos pés que ainda dormem. Na estrada, logo ali depois do biombo em acrílico, carros raros em número e em pressa e uns maduros, equipados com um rigor que eu dispenso, passam, em câmara lenta, com o cu fora do selim... portanto, nada suficientemente digno de me arrancar os olhos daquilo que estava a ler... nisto, no meio do meu silêncio, perguntas, aos montes, em cascata, sem darem hipótese ao interpolado de as responder, feitas por uma menina que, de mão dada a um gigante a quem nem à cintura chegava, acordava as pedras da calçada com saltos que abanavam a trajectória melancólica do pai.
... orelhas levantadas, não fosse alguma pergunta ser musa para o tema de hoje, os petizes são especialistas nesse propósito... e PUM... o homem estatelado no chão... nem o jornal que trazia lhe ficou agarrado ao corpo... e ela, de riso dobrado, não conseguia parar de rir, ela e eu, que não
consigo ficar imune a uma boa gargalhada, mesmo que não saiba o motivo...
O pai lá se levantou e, enquanto recolhia as folhas do jornal, com cara de poucos amigos, olhou para a miúda que ainda ria e perguntou-lhe:
- Achas piada?
E ela, aproveitando a pausa causada por um soluço, respondeu:
- Acho!... e voltou a rir...
E ele, ainda tentou:
- Então não gostas de mim, pronto, podia ter-me
magoado. Não gostas de mim...
- Oh pai... Eu gosto de ti porque me fazes rir, a mãe não
cai assim.
Escusado será dizer que, desta, quem deu a gargalhada
fui eu.
Depois, ao passarem por mim, ela sorriu-me, encolheu os
ombros e abanou a cabeça e, do seu silêncio, pude ouvir:
- Pais... temos que ter muita paciência!
O tema que procurava numa pergunta, encontrei-o numa
resposta.