Page 52 - Boletim APE 269
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 Miguel Laranjeira
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 EVOCAÇÕES
BOLETIM APE | ABR/JUN 2023
Obrigado, Pilão!
Há já algum tempo que andava para fazê-lo. Hoje decidi-me finalmente. Aproximei-me da entrada, a mesma entrada por onde passei inúmeras vezes,
com aquelas duas colunas de pedra talhada (coisas que se faziam no passado, hoje é tudo muito minimalista, em pedra lisa), e o portão de ferro, pintado de azul. Entrei naquele corredor, lembrei-me do tanque de remo, e do suor que lá despejei, em muitas sessões de preparação física para poder manejar o remo de forma mais pujante...
Seguiu-se a Santinha, local onde nos refugiávamos para tirar grandes passas dos nossos cigarros...
Lembrei-me deles, e tive que me imobilizar. Eles invadiram o meu pensamento e as minhas memórias, o cão, o gato, o macaco, o peixeira, o cientista, o coxo, o algas, o billy, o galinha, o deficiente... tanta gente com quem brincava, mandava e ouvia umas bocas... era tempos felizes, muito felizes, estávamos a rir e na brincadeira, na maior parte do tempo. Finalmente vi-os. Estavam no intervalo das aulas, nas mesmas correrias e tropelias de jovens, todos fardados...espera lá! Agora há também meninas! Como isto mudou... no meu tempo éramos apenas rapazes, com as hormonas incendiadas e sempre com histórias e sonhos sobre as miúdas lá fora... agora elas, fardadas, certamente que impõem o respeito. Os tempos mudaram muito. Talvez agora, em resultado deste convívio com o sexo feminino, se evitem os problemas que eu tive. Recordo-me que tinha uma enorme dificuldade com as miúdas. Devido à minha timidez, simplesmente não sabia estar, junto de uma miúda, não sabia o que lhe dizer, quais as tendências da actualidade no universo feminino e, principalmente, quais as palavras que normalmente “funcionavam” com elas, na vã tentativa de lhes arrancar um beijo ou arranjar namorada.
Mais além, aquela velha arcada, junto do sapateiro, que nos colocava meias-solas nas botas, as quais eram sempre usadas até deixarem de servir... passei pelo túnel e fui dar
a um claustro bem velhinho. Recordo-me que ali havia a sala de armas (esgrima) e a arrecadação de material de guerra onde, um soldado, através das grades, nos passava, um a um, a Manlicher e mais tarde a pesada Mauser e a G-3.
Recordo-me da enorme “seca” da ordem unida às quartas-feiras de tarde, quando manuseávamos a arma e marchávamos, marchávamos... algo que por vezes não fazia, para nós, muito sentido, mas que era um processo que nos incutia uma acção mecanizada, e que nos preparava para os grandes dias, em que, envergando a farda de cerimónia com todo o garbo, manuseávamos a arma em simultâneo, exactamente ao mesmo tempo, para gáudio de quem assistia à nossa formatura e desfile, o 25 de Maio, dia de aniversário daquela casa tão bela e tão ridente e que era o culminar de um ano que se aproximava ainda do fim, pois ainda teríamos aulas e testes e exames.
Fechei os olhos e lembrei-me da nossa algazarra, sempre, em todo o lado, desde que íamos para as aulas, até que regressávamos às camaratas e aos quartos, no final do dia. A formatura para o jantar, as saídas para a mata de S. Domingos, equipados com a farda No 3 e a G-3 nas mãos, prontos para um pouco de instrução e uma boa “esfrega”.
Está tudo na mesma. Os tempos mudaram, as coisas evoluíram, mas os lugares, as esquinas, os cheiros... continua tudo na mesma.
Há vida naquela casa tão bela e tão ridente, como sempre houve, desde há mais de um século. Este foi o berço de tanta gente ilustre, de muito valor na nossa sociedade e é uma enorme alegria constatar que esta forja de Homens, agora também de Mulheres, continua a preparar boa gente, útil à Pátria.
Fiquei de coração cheio. Valeu a pena ter cá vindo. Foi uma experiência sensorial, algo que, definitivamente terei que repetir. Saio com a certeza que aquele lema secular ainda vive no coração de todos, QUERER É PODER.
Obrigado, Pilão!
  
















































































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