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CRÓNICAS
BOLETIM APE | ABR/JUN 2023
Vulcões do Equador
Rui Silva
19830049
Lá dizia o saudoso Vasco Santana em “A Canção de Lisboa” que chapéus há muitos. Pois bem, o que vos posso dizer é que montanhas também há muitas, todas
diferentes umas das outras e nem que tivesse 7 vidas como os gatos conseguiria alguma vez pisá-las a todas.
Vem isto a propósito da pergunta que me fazem frequentemente sobre o que me resta para subir depois do Evereste. Pois bem, praticamente tudo! E se bem se recordam da minha última crónica sobre o Gasherbrum II no Paquistão, as montanhas não se medem aos palmos, por isso a distância que vai do nível médio do mar ao cume não é, de todo, o critério de escolha que me guia quando escolho o meu próximo objectivo.
Tenho uma pequena lista, que vou actualizando, de potenciais destinos para a prática do alpinismo/ montanhismo. Nessa lista estava, há já algum tempo, os vulcões do Equador. O Equador é um pequeno País no topo superior esquerdo da Améria do Sul, atravessado pela cordilheira dos Andes, que se estende por 9.000 Km até ao extremo Sul do continente. Algumas das mais belas e altas montanhas deste País, baptizado com o nome da linha que divide os 2 hemisférios, são vulcões, alguns deles activos. E eram exactamente 3 desses vulcões, com uma altitude a rondar os 6.000m, que constavam da minha lista: Cotopaxi, Chimborazo e Cayambe.
Já tinha pisado a cordilheira dos Andes em 2018. A minha primeira expedição, quando me iniciei nestas lides de montanhista, foi o Aconcágua na Argentina, o ponto mais alto da América do Sul, com uns imponentes 6.961m. Os vulcões do Equador estão uns furos abaixo em termos de dificuldade, sendo frequentemente recomendados para quem tem pouca experiência em montanhismo. Ainda assim, não estão isentos de perigos, nomeadamente devido à “doença da altitude” que pode levar à morte. A forte acumulação de neve pode também causar avalanches e ceifar vidas nestas montanhas, como aconteceu há um par de anos no Chimborazo, onde 4 pessoas pereceram.
Desde 2020 que andava a planear esta viagem, mas como devem estar bem lembrados, houve por aí um “bicho” que resolveu baralhar as deslocações de pessoas, pelo que só este ano se reuniram finalmente as condições para realizar
esta expedição. Fevereiro foi o mês escolhido e no dia 11 lá me dirigi então ao Aeroporto Humberto Delgado para embarcar num avião, fazer uma breve escala em Madrid, e finalmente aterrar na bela cidade de Quito, capital do Equador.
Esta viagem foi um misto de turismo “convencional” e turismo de aventura. Durante os 14 dias de duração, metade são passados nas montanhas, sendo os restantes alocados a deslocações por transporte terrestre e a visitas culturais. E foi exactamente com uma dessas visitas que iniciei a minha estadia em Quito. Poder-vos-ia contar muitas coisas a respeito de Quito e do Equador, mas como não quero estragar a surpresa de uma potencial visita vossa a este País, digo-vos apenas que é riquíssimo em 2 das minhas coisas favoritas: café e chocolate. Há quem diga que este último é provavelmente o melhor do Mundo.
Depois de um dia de turismo era altura de passar à acção. Quito está a uma altitude 2.850m, mas é preciso continuar o processo de aclimatação, ou seja, a adaptação natural do nosso corpo a altitudes progressivamente mais elevadas. Assim, nos 2 dias seguintes subimos igual número de cumes vizinhos da capital: Cerro Pasochoa (4.200m) e Cumbre Roco Pichincha (4.696m), nenhum deles tecnicamente difícil.
Depois de aclimatados, seguimos viagem para o nosso primeiro objectivo “a sério”, o vulcão Cayambe, com 5.790m. O nosso grupo era constituído por mim e por 2 casais de Americanos, para além do guia local, Robinson. Chegámos ao refúgio de montanha por volta das 14:00. Neste dia fizemos um pequeno passeio de aclimatação até aos 4.900m e pudemos contemplar toda a beleza da montanha e o seu enorme glaciar, que, à imagem do que está a acontecer um pouco por todo o lado, está a retroceder por causa do aquecimento global.
O dia seguinte foi reservado a treino de técnicas de pro- gressão e segurança na neve. Lembram-se quando referi que este destino é muitas vezes sugerido para principiantes? Pois bem, há que garantir que toda a gente tem os conhecimen- tos mínimos para evitar acidentes, nomeadamente a famosa técnica de auto-detenção, que é como quem diz, saber parar em caso de queda em terreno inclinado e escorregadio (como o gelo). Para mim nada daquilo era novidade, mas é sempre bom praticar e relembrar estas técnicas que nos podem sal- var a vida. Além do mais, em Portugal não tenho possibilidade de praticar e dar uso ao meu equipamento, pois neve nem a ver (até na Serra da Estrela cada vez há menos).
Depois de um sono breve, partimos de madrugada para o cume. Saímos do refúgio pouco depois da meia-noite, após um parco pequeno-almoço de café e sandes de queijo. Para esta subida juntam-se a nós 2 novos guias locais, dividi- mo--nos em 3 “cordadas”, uma para cada casal Americano e eu fico com o Diego, um simpático Equatoriano com muita experiência de escalada. E somos nós 2 os primeiros a pisar o cume, o relógio marcava as 6:00 locais. Sou testemunha de um nascer do Sol de cortar a respiração, tiro as habituais fotografias da praxe e faço um vídeo para o meu filhote, o André de 4 anos, pois tinha-lhe prometido que tentaria en- contrar o Yeti, o Abominável Homem das Neves.
Não encontrei o Yeti, mas encontrei uma beleza de cor- tar a respiração. É isto que me faz subir, é isto que me faz suportar longas horas de frio e desconforto, é isto que eu gostava de vos mostrar, mas por mais fotografias que parti-
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