Page 12 - Boletim numero 261 da APE
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CULTURA E CONHECIMENTO BOLETIM APE | ABR/JUN 2021
As Vacinas Sociais: Prevenir os problemas de Saúde Mental durante e após a Pandemia da COVID-19
Onovo coronavírus, o SARS-CoV-2, espalhou-se rapi- damente por todo mundo dando origem à doença designada por COVID-19. A meados de maio de 2021
tinha infetado em todo o mundo, aproximadamente, 159 mi- lhões de pessoas e provocado mais de 3 milhões de mortes. Em Portugal, foram contabilizados 840 mil infetados e 16 mil mortes. Seguindo as recomendações da Organização Mun- dial da Saúde as autoridades governamentais e de saúde im- plementaram medidas de quarentena, isolamento, distancia- mento físico, fecho de escolas, trabalho e estudo em casa, e utilização generalizada de materiais protetores individuais, como, máscaras faciais e desinfetantes.
Essas mudanças, drásticas e repentinas, foram cruciais para o controlo da infeção, mas, colocaram uma pressão intensa na população que teve como consequências indeseja- das a deterioração generalizada da saúde mental. Mesmo não existindo exposição direta ao SARS-CoV-2, como acontece nos profissionais de saúde ou nas pessoas infetadas, desenvolve- ram-se medos e ansiedades intensos e generalizados de con- trair o vírus, da família ou amigos serem contagiados, das difi- culdades económicas ou perda de emprego, do isolamento social e alterações abruptas na vida diária, escola e trabalho. Estes acontecimentos desencadearam aumentos nas emo- ções negativas e sintomas de mal-estar psicológico. Um estu- do efetuado em Portugal em 10 529 adultos, publicado em 2021 na revista Psychology, Heath and Medicine, mostrou que a depressão, a ansiedade e o stresse aumentaram significati- vamente sendo considerados problemas de saúde pública.
Para se minimizarem esses efeitos é necessário desenvol- ver uma melhor compreensão das emoções, em especial do medo e da ansiedade. Estas podem definir-se a partir dos seus três componentes fundamentais. O primeiro o que a pessoa pensa ou diz quando está numa situação ameaçado- ra; o segundo o que faz, o comportamento; e o terceiro o que sente, as sensações fisiológicas. O medo e a ansiedade são experimentados como reações automáticas, com carac- terísticas que os parecem colocar fora do controlo voluntá- rio. Esta conceptualização possibilita poder regulá-lo, isto é, ou mantê-lo estável, ou aumentá-lo ou, desejavelmente, di- minuí-lo. Para tal é necessário aprender a analisar as emo- ções de acordo com estes três componentes: o que se pensa ou diz, o que se faz e o que se sente.
Vejamos o primeiro, o que se pensa ou diz. Perante uma situação de ameaça ou de incerteza, como a COVID-19, os pri- meiros pensamentos a surgir na mente são intrusivos, en- tram involuntariamente na consciência sem qualquer esfor- ço, e são catastróficos, antecipando os piores cenários e resultados. Todos somos assaltados, quando estamos a ouvir as notícias ou quando estamos a adormecer, por pensamen- tos como: “vamos adoecer”, “isto nunca mais vai acabar” ou “o que vai ser de nós”. Estes, podem ou não ser verbalizados para os outros e para além do sofrimento que provocam, tendem a piorar uma situação que já é má.
O segundo componente é o comportamento. Perante uma ameaça existe uma tendência para se restringirem as opções de ação. Fica-se paralisado, imóvel e evita-se, ou fa- zem-se verificações exageradas, como procurar constante e excessivamente informação sobre as taxas de infeção ou de mortalidade. Quer uma, quer outra têm influências negati- vas, pois concentram o foco da atenção nas consequências nefastas e aumentam as sensações de mal-estar. Para além disso não possibilitam a descoberta de opções de ação mais positivas que possam remediar ou melhorar a situação.
Finalmente, o terceiro componente, as sensações fisioló- gicas extremamente desagradáveis do medo. O batimento cardíaco e a respiração aceleram, a boca fica seca, as sensa- ções de nó na garganta, tensão ou fraqueza nos músculos, as mãos frias e húmidas, o mal-estar abdominal ou náuseas e até falta de apetite que leva a uma alimentação inadequada.
É este o retrato geral do medo, da ansiedade e das emo- ções negativas. Mas, o que é verdadeiramente importante é que ele fornece a capacidade de cada um de nós ser capaz de as modificar. Se pensarmos que quero ou tenho que diminuir o meu medo não vamos ter sucesso nisso. Mas, os resultados são completamente diferentes se abordarmos cada um dos componentes de modo independente. Vejamos o pensamen- to. Na realidade os pensamentos perante uma ameaça são intrusivos, mas após se tomar consciência deles são perfeita- mente modificáveis. O que pensamos depende de nós, da nossa vontade. Não o que entra na consciência, que é invo- luntário e depende da exposição ao que os outros dizem, à comunicação social e às redes sociais digitais. Manter estes pensamentos na consciência, permanecer muito tempo foca- do neles e nas suas consequências, depende única e exclusi- vamente de nós. Para tal apenas é necessário fazer uma aná- lise pessoal ao que espontaneamente entra na consciência, e isto qualquer um é capaz de fazer. Deve ser feito quando se começam a sentir as sensações de angústia ou mal-estar. É este o sinal avisador para mudar o pensamento, de modo que este seja mais realista e menos causador de sofrimento. Aqui há algo muito importante, não se podem substituir pensa- mentos negativos ou catastróficos como “vamos todos adoecer” ou “vamos todos ficar infetados” por alternativas positivas irrealistas como “vai tudo correr bem” ou “não vai acontecer nada a mim ou à minha família”. Ninguém acredita na veracidade destas alternativas de pensamento que, em úl- tima instância aumentam o medo e a ansiedade, uma vez que são ilusórias. Os pensamentos automáticos negativos devem ser substituídos por alternativas realistas, em que, genuina- mente, se possa acreditar. Necessitam de obedecer ao princí- pio do limiar de aceitabilidade do pensamento, isto é, basea- rem-se na realidade, no que está a acontecer à nossa volta, para que se possa acreditar neles. Não existem receitas fá- ceis. Contudo, pensar em quem já esteve infetado e se curou, nas descrições dos cuidados a ter com a higiene pessoal, nos países que têm taxas mais baixas de infeção ou dos países ou
Américo Baptista* 19650086
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