Page 24 - Boletim numero 260 da APE
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EM FOCO APE BOLETIM APE | JAN/MAR 2021 A Experiência de uma
À medida que passava pelos locais reconhecia cada edifí- cio, cada esquina, cada sala, cada quarto ou camarata, cada centímetro quadrado do chão onde era pousada. Em todos estes locais vinham-lhe à memória episódios, histórias, umas mais felizes que outras, mas todas responsáveis pelo cresci- mento dos jovens que as transportavam. Ainda conseguiu reconhecer funcionários do seu tempo.
Recordou tudo com muita saudade...
Finalmente chegou ao seu novo espaço. Um novo lugar onde nunca tinha estado. Talvez o seu proprietário... A con- firmar, não teria sido certamente pelas melhores razões! Em regra, não se pisa o chão do Gabinete do Comandante de Corpo de Alunos sem razão. Teria de haver um motivo muito forte.
A Mala Azul iniciava uma nova experiência. Sem re- negar o seu passado, passaria a olhar para o Instituto sob um prisma diferente. Com uma nova visão que é preciso en- tender à luz dos dias de hoje. Seja ela fruto das alterações verifi- cadas na sociedade e que muitos teimam em não querer aceitar, esteja ela relacionada com as mu- danças verificadas nas instituições, ou seja ela decorrente da alteração de mentalidades, com- portamentos ou atitudes das pessoas, estas sim, responsáveis por aquilo
que é a “sociedade”.
E é desta forma que a
Mala Azul, durante três anos letivos, visualiza e interage com a sua nova realidade. Aproveitando a facilidade na sua adaptação, privilegiou desde o primeiro dia o contacto próximo. Lu- tou por ganhar o respeito, a confiança e a estima de
todos.
Servir numa escola mista com jovens dos 10 aos 18 anos
que funciona 24 horas por dia e durante 365 dias por ano, não sendo uma tarefa fácil, é uma experiência altamente gratificante. Sentir que também contribui para a formação de cada um daqueles Pilões é um orgulho que preenche a alma. Do contacto com a “Malta Brava” só traz boas recor- dações. Sentiu o espírito da camaradagem, o amor à farda e o orgulho de todos em pertencerem ao Pilão. Presenciou a traquinice, as ações menos ponderadas, mas entendidas face à juventude, mas também muita maturidade e respon- sabilidade desses mesmos jovens.
Tal e qual como, “no meu tempo é que era!”.
“mala azul”
Em agosto de 2016, a velhinha “Mala Azul” com mais de três décadas de vida ganhou nova alma. Depois de ter realizado as suas tarefas durante nove anos e cumpri-
do a missão a que se tinha proposto, foi guardada e protegi- da, sem nunca desconfiar que precisamente 39 anos mais tarde, voltaria a ser chamada ao serviço. Embora merecedo- ra de descanso, não teve durante este período de repouso uma vida fácil. Para além do esforço a que foi sujeita durante quase uma década nas mãos de um adolescente, sobreviveu ainda a três mudanças de residência. Experimentou, viven- ciando, inúmeros locais recônditos de garagens. Conheceu armários e guarda-fatos tendo estado várias vezes à porta de casa com a morte anunciada e consequente enterro num qualquer contentor do lixo de rua, na sequência das grandes arrumações que sucessivamente foram feitas nos es- paços por onde passou.
Não sei se pela experiência adquirida ao longo dos sucessivos anos letivos passados no Pilão, durante os
quais ganhou a “manha” e a destreza suficiente para ven-
cer as adversidades que se
lhe foram deparando, ou
apenas por intuição, a
Mala Azul sabia que ain-
da não tinha chegado o
seu dia.
E assim, nos finais de
agosto, sem transportar
manuais escolares, cader-
nos, roupa lavada ou “co-
mes”, a Mala Azul regres-
sou ao Pilão carregada de
emoção, saudade, esperança,
motivação e espírito de servir.
Sabia que jamais iria encontrar as
suas companheiras de camarata que, tal
como ela, semana após semana, também
descansaram em cima dos armários à espera da sex- ta-feira, dia em que voltavam ao serviço a caminho de casa para mais um merecido descanso.
Mas não se importava. Estava apenas impaciente e ansio- sa por voltar a ouvir os gritos da “Malta Brava” a brincar nas camaratas, a alvorada, o toque ensurdecedor da campainha assinalando o início e o fim de cada tempo escolar, o barulho do comboio que tantas vezes a acordara durante a noite, ou sentir o cheiro da cera do chão, da graxa para o calçado e do “Duraglit” usado para polir os botões da farda de saída dos alunos...
E lá partiu ela. Bem cedinho. Emocionada para mais uma viagem. A viagem de regresso ao Pilão! O regresso para aquela Casa que nunca deixou de ser dela.
José Magro
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