Page 6 - Boletim numero 256 da APE
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CrÓniCas
Sérgio Rodrigues dos Santos
20060052
Eu e as Instituições...
Instituição – “Organização que, pública ou privada, procura resolver as necessidades de uma sociedade ou comunidade”
Esta é a definição de instituição no dicionário, talvez a definição mais politicamente correcta, mas eu vou vos dar a conhecer a minha versão, e para tal tenho que vos contar a história de um outrora menino que sentiu na sua pele o va- lor real deste conceito.
Encontramo-nos no dia 6 de novembro de 1997, com 4 anos este menino dá entrada na Aldeia de Crianças SOS de Bicesse. uma panóplia de sentimentos e sensações aconte- ceram ao mesmo tempo. Finalmente iria ter uma cama, que não precisava de partilhar com mais seis irmãos e uma refei- ção que não tinha de durar para o dia todo. Mas, a juntar a estes sentimentos de segurança e conforto, vem o sentimen- to de rejeição e corte de laços com a progenitora. Devido às circunstâncias da vida ela nunca criou as necessárias condi- ções para criar uma criança, negligenciando os bens essen- ciais à vida, fazendo questionar os seus valores do amor.
Deixar a sua própria criança a cargo de uma instituição, será um acto resultante da negligência ou de amor na espe- rança de um futuro melhor?
Desconectado de seus irmãos e progenitora, foi recebi- do de braços abertos em uma casa que o aceitou com todos os seus defeitos e patologias, encorajando-o a ser a melhor versão de si mesmo, deu-lhe educação, amor e uma família composta por um grupo de crianças com historial muito di- ferente, mas com um coração puro e genuíno, uma família de coração.
Anos de educação, amor e aventuras foram passando, e chegamos a 2006, o ano em que duas instituições com valo- res bastante semelhantes se cruzam na sua vida.
Depois de assistir a uma entrevista sobre os Pupilos numa estação televisiva, a vontade de vestir aquela tão esbelta far- da cresceu dentro de si. Parecia um sonho tão distante e im- possível, mas ainda assim nada o impediu de sonhar e lutar por isso, talvez resultados da educação já adquirida na insti- tuição que agora tinha a sorte de chamar casa.
Inscreveu-se, passou o verão a treinar e a estudar para passar as provas de admissão. O sucesso era inevitável, como se o “Querer e Poder” já lhe fosse inerente. O sonho ago- ra parecia possível, mas surgiu mais um obstáculo, as propi- nas, que infelizmente a instituição não conseguia suportar. Quando menos se esperava surgiu o apoio da APE, que ao saber da sua situação lhe esticou a mão, dando um exemplo
de solidariedade social e uma oportunidade que lhe viria mudar a vida para sempre!
Frequentar os Pupilos era algo inevitável, a essência des- ta instituição tal como a aldeia estava-lhe nos genes. Casas que recebem crianças com histórias e capacidades diferen- tes, que passam a viver juntas, aceitam-se como irmãos, partilham como uma família e vivem suportadas por uma estrutura que tudo faz para criar cidadãos exemplares e prontos para integrar uma sociedade cada vez com maior ne- cessidade de valores e educação!
Viver os pupilos foi uma dádiva maior do que o que ele poderia imaginar, foi a abertura de portas para que outras crianças na mesma situação que ele, se atrevessem a so- nhar, foi o criar amigos/irmãos para a vida que até ao dia de hoje mantém contacto, se ajudam e confidenciam como se de lá nunca tivessem saído, foi fazer parte de uma cultura tão especial e forte que aos olhos de muitos parece incom- preensível.
Por esta altura penso que seja mais do que perceptível que este menino sou eu, considero-me um privilegiado por todas estas oportunidades. Sem o apoio dos Pupilos e da Aldeia SOS nada teria sido possível, posso ir ainda mais lon- ge e dizer que sou o que sou hoje por todas as experiências que estas instituições me providenciaram sem nunca me co- brarem nada em troca.
Esta minha história que agora conto, parece uma auto- biografia, mas se olharmos mais de perto e prestarmos um pouco mais de atenção é na realidade uma homenagem e um agradecimento.
O sentimento de gratidão que tenho para com estas ins- tituições é imensurável, mas a homenagem e agradecimento maior vai para a minha mãe (mãe-social que me recebeu na instituição).
Maria Filomena Faustino, de seu nome, recebeu-me a mim e a muitas outras crianças a quem hoje chamo irmãos, ela é a base da nossa família, deu-nos tudo, acolheu-nos como seus filhos, aceitou todos os nossos desafios e sonhos como seus e lutou para que se tornassem realidade, um anjo na verdade.
Ela foi a primeira que me mostrou que a distância entre o “querer” e o “poder” é o tentar. Tentar com atitude de vencer, porque só assim se consegue.
Sei que estas singelas palavras nunca vão ser suficientes para retribuir tudo o que recebi da Aldeia SOS, dos Pupilos e da minha mãe, mas mesmo assim deixo aqui o meu mais sincero Obrigado!
4 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • janeiro a março