Page 7 - Boletim Nº 254 da APE
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para me levar ao Evereste (até ao último minuto foi uma disputa renhida entre esta e a Adventure Consultants, da Nova Zelândia).
É no final deste período que intensifico o meu treino físi- co. As bases teóricas obtenho-as na leitura do livro “Training For The New Alpinism”, que complemento com um rigoroso plano de 6 meses, “24 Week Expeditionary Mountaineering Training Plan”, dos mesmos autores, com uma carga semanal média de 12h, distribuída por 6 dias. Executei este plano de treino 2 vezes, a primeira antes de subir o Denali, no Alaska, em Maio de 2018, a segunda antes de partir para o Evereste, sendo que nesta última adicionei 20% de carga/volume.
A resiliência de um plano é posta à prova quando sur- gem imprevistos. No meu caso foram sobretudo as lesões físicas que me atrapalharam. Ainda em 2016 (Maio), no final de uma corrida, uma queda provoca-me uma fractura no cotovelo, mas 3 meses e um dezena de sessões de fisiotera- pia depois, estou de volta à estrada. Em Agosto de 2017 foi uma rotura do menisco do joelho direito. Sou submetido a uma cirurgia a 29 de Setembro, mas antes tenho a garantia do médico ortopedista que estarei recuperado a tempo do meu primeiro grande desafio. E assim foi!
No início de 2018 estou pronto para as grandes monta- nhas: o Aconcágua (6962m) em Janeiro, o Denali (6140m) em Maio, o Elbrus (5642m) em Julho, o Cholatse (6440) em Novembro. Em Março desse ano faço também uma semana de “Scottish Winter” e subo ao Pico Aneto (3404m), o ponto mais alto dos Pirenéus, mais uma vez na companhia do João Garcia. Durante o ano de 2018, com as montanhas anterior- mente referidas, coleccionei 3 dos 7 pontos mais altos de cada continente, América do Sul, América do Norte e Euro- pa, aos quais se junta o Kilimanjaro, representante de Áfri- ca, que tinha subido em 2015. Toda a experiência ganha, aliada aos bons resultados do plano de treino físico, deixa- ram-me bastante confiante para o grande desafio que se seguiria, o Evereste e os seus 8848m de altura.
A 30 de Março parto do aeroporto de Lisboa rumo ao Nepal, carregado de emoções e 57Kg de bagagem, que care- cem de alguma criatividade e engenho para chegar ao desti- no final (tinha 9kg a mais do que o permitido pela compa- nhia aérea). Depois de uma aterragem não programada na índia devido ao mau tempo em Catmandu, chego tarde ao hotel, já passam das 23:00. Como qualquer coisa à pressa e deito-me, na tentativa sôfrega de descansar um pouco de- pois de uma viagem desgastante, mas tenho mil coisas na cabeça e o desassossego próprio de quem sabe que vai en- frentar um duro desafio e um sonho de 3 anos.
A 1 de Abril voamos para o infame aeroporto de Lukla (2800m), onde tem início a caminhada de aclimatação que nos levará ao Campo Base (5300m) 11 dias depois. Passa- mos por Phakding, dormimos em Monjo (2835m) antes de chegarmos a Namche Bazaar (3440m), capital dos Sherpas, onde ficaremos 2 dias. É nesta altura que temos o primeiro avistamento do Evereste, ao longe, com a característica nu- vem branca no topo que é na verdade neve projectada devi- dos aos fortes ventos que o assolam.
Saímos para Tengboche, passamos pelo famoso mostei- ro que tem o mesmo nome, alojamo-nos em Deboche
(3820m). No dia seguinte Dingboche (4410m) e aqui tenho a felicidade de encontrar o Peter, filho de Edmund Hillary (o primeiro homem a pousar um pé no cume do Evereste). O próximo destino é Chukhung (4730m), onde passamos 2 noites, antes de seguir para Lobuche (5000m) e finalmente Gorak Shep (5180m), a última povoação antes do Everest Base Camp (EBC). É aqui, a 5364m, que passaremos as pró- ximas 6 semanas, durante as quais faremos 3 rotações de aclimatação que nos levarão gradualmente aos campos mais elevados. A primeira até ao Campo I a 6100m, a segun- da ao Campo II a 6400m e a terceira ao Campo III a 7200m. Findo este período, passamos 10 dias no Campo Base à es- pera da janela de bom tempo.
O ataque ao cume inicia-se na madrugada de 17 de Maio. Subimos pela última vez a Khumbu Icefall e dormimos no Campo II. Segue-se o Campo III onde também pernoitá- mos e partimos para o Campo Iv (7900m) na manhã de 20 de Maio. O plano inicial era voltar a sair nesse mesmo dia e atingir o cume a 21, mas os ventos fortes obrigam-nos a pas- sar uma noite extra no Campo Iv.
às 19:30 do dia 21 de Maio partimos para o cume, que atingi às 7:00 do dia 22. A montanha está um pouco conges- tionada, apanho 1h de fila para subir e 2h para descer. No mesmo dia volto ao Campo Iv, onde pernoitamos. Desce- mos ao Campo II, dormimos mais uma noite e o regresso ao Campo Base acontece a 24 de Maio, onde dou por concluída a escalada, com direito à merecida celebração.
Aterrei no aeroporto de Lisboa a 31 de Maio, 2 meses depois de partir, com o coração cheio, mas a pensar já nos meus próximos desafios. Antes de subir o Kilimanjaro com- prei um livro guia que dizia num dos primeiros parágrafos “Climbing up Kilimanjaro will be one of the hardest things you ever do”. Não foi. O Evereste foi. O mesmo livro dizia também “But it will also, without a doubt, be one of the most rewarding”. Foi. Foi mesmo. O Kilimanjaro, o Evereste e to- das as montanhas que me deixaram pisar o seu cume.
Nota Editorial : No âmbito das “Conferências do Boletim” o Rui Silva, estará presente na APE no próximo dia 11 de outubro, para nos contar em primei- ra mão esta “Grande Aventura”.
CrÓniCas
    Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro | 5





















































































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