Page 6 - Boletim nº 251 da APE OUT a DEZ de 2018
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CróniCaS
 AVENTURAS...
E MAIS AVENTURAS (I)
  Em 2003, no âmbito de funções diplomáticas que de- sempenhava em Brasília, a FUNAI – Fundação Nacio- nal do Índio do Ministério da Justiça autorizou a mi- nha visita e permanência pelo período de uma semana, acompanhado de Gonçalo Rosa da Silva (então fotógrafo da revista “Visão”), à Terra Indígena do Sararé no Estado de Mato Grosso (MT). Os índios nambiquaras que lá vivem foram objeto de estudo do antropólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss, nos anos 30 do século passado e cons- tituem um capítulo do seu livro clássico “Tristes trópicos” (Edit. Plon, França, 1955). Depois dos preparativos (é de salientar um encontro com o sertanista Sydney Possuelo, muito conhecido internacionalmente e na altura chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados da FUNAI), partimos para Cuiabá, a capital do MT. Este Estado era um refúgio seguro para homens duros e perseguidos que nada mais têm a temer, penso. Como era o caso de Bento Abraços dono do melhor restaurante português da região. Enquan- to almoçávamos, ele falou-nos de Jorge Malheiros, já refor- mado da Secretaria de Finanças do Estado, conhecido anti- go agente da polícia política da Direção-Geral de Seguran- ça de Angola no tempo colonial e contou a sua vida de antigo colono em Quelimane (Moçambique). Era um sujei- to falador, descrevia situações com intensidade e paixão e Gonçalo, que concluiu o seu curso de Fotografia em Lon- dres e fez a cobertura de acontecimentos políticos em Angola e cobriu as primeiras eleições livres na África do Sul, em 1994, sempre com as máquinas fotográficas à mão, mantinha-se calado e atento. A este propósito, ocorre-me uma frase de Yeats: “muitas vezes aos melhores falta convic- ção, enquanto os piores estão cheios de intensidade e paixão”. Abraços participou ativamente das lutas contra a FRELIMO ao lado dos rodesianos racistas de Ian Smith, este- ve preso em Maputo, conseguiu fugir para a África do Sul,
Jacinto Rego de Almeida
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mais tarde os ventos mudaram e os sul-africanos prepara- vam-se para o entregar ao governo moçambicano em troca de outros prisioneiros, histórias sem fim... teve uma mina de ouro na Bolívia, mas enganado quase foi morto pelos sócios bolivianos. Na altura, dono da “Taberna Portuguesa” frequentado por autoridades locais e gente endinheirada, Abraços encontrou “sossego em Cuiabá. Essa guerra de Áfri- ca nós perdemos para os russos e os comunistas”, desaba- fou enquanto coçava a cabeça e cumprimentava uma por- tuguesa de Carrazeda de Anciães que nos falou de uma promessa feita em Fátima, dos seus filhos chamados Jacin- to, Francisco e Lúcia e dos seus netos. “Fui avó aos 32 anos”, acrescentou enquanto nos despedíamos.
Partimos de Cuiabá no dia seguinte em direção a Cáce- res, uma cidade com um calor sufocante, tórrido e um cen- tro de criadores de jacarés, depois Pontes e Lacerda e resol- vemos pernoitar em Vila Bela da Santíssima Trindade, cida- de histórica nas margens do rio Guaporé, um rio vestido de selva junto à Serra Ricardo Franco (que separa o Brasil da Bolívia). Na rádio ouvimos uma notícia sobre a queda de um helicóptero de uma empresa norte-americana na aldeia de Abunã, a cinco quilómetros da fronteira. A notícia acres- centava que forças bolivianas conhecidas como os “Leopar- dos” ligadas à Rug Enforcement Administration, a agência anti-drogas dos E.U.A., invadiram o espaço aéreo brasileiro e fizeram o resgate de um sobrevivente e de dois mortos no acidente. Adiante.
Chegámos enfim a Vila Bela – “parece uma cidade fan- tasma”, sussurrei – mandada construir pelo Marquês de Pombal e concluída em Março de 1752. Chamava-se então Cuyabá, comarca aurífera, e foi a primeira capital do Estado. Inteiramente planeada em Lisboa, tem ruas largas em linha reta “com setenta palmos de largura” cortadas por ruas per- pendiculares. (O mesmo projeto foi usado na reconstrução de bairros de Lisboa destruídos pelo terramoto de 1755.) Erguer esta cidade nos confins do Brasil foi uma epopeia entregue a António Rolim de Moura, primo da rainha Dona Maria. Para atrair povoadores “criou-se uma situação de vio- lação consentida às leis com relaxamento de controlos fis- cais, perdão dos dízimos e toda a sorte de crimes foram perdoados”. A condição para se alcançar o perdão era viver em Cuyabá três anos ou mais algum tempo no caso de pes- soas incursas em pena de degredo ou morte cível. No início a cidade foi habitada por 500 pessoas, no século XIX tinha 7.000 moradores entre os quais 6.200 negros e 300 índios, e quilombos de escravos formaram-se nas matas próximas entre eles o de Quariterê comandado pela lendária Tereza
4 | Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • Outubro-Dezembro 2018

























































































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