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EVOCAÇÕEs






                                  Os “azares” divertidos



                                  do “Tonho”


           QUEIRóS DE AzEVEDO
           19440286




               ra este o pseudónimo porque era conhecido, entre os   Claro  que,  como  (quase  sempre  acontece)  há  prós  e
           Ecolegas, o Eugénio Maria Tiburcio Gaspar, então alu-  contras,  o “Tonho”  terá  passado  algumas  contrariedades
           no número 19430152, rapaz uns dois anos mais velho do   devido aos camaradas que se julgaram desprestigiados por
           que eu, nado e criado em Estremoz até ir para os Pupilos   uma tal aventura de se ver um Pilão fardado a correr atrás
           do Exército, cuja origem alentejana facilmente se detec-  das  galinhas  por  entre  a  multidão  de  passageiros  civis,
           tava através do vernáculo em que se exprimia!      ainda que humanamente solidários com ele!
              Pois no início dum ano escolar, ou regressando de férias,   A engraçada estória ficaria por aqui se não me tivessem
           já não tenho bem presente, ter-se-á apresentado no Pilão   recordado  também  de  uma  outra,  passada  na  mesma
           transportando um cesto de vime contendo duas galinhas   época, em que entra uma cabeça de porco especialmente
           vivas. Galinhas, essas, que eram destinadas a serem entre-  cozinhada  que  um  dos  membros  da  família  do “Tonho”
           gues aos cuidados do funcionário da agropecuária e famí-  (crê-se que um tio) o encarregara de entregar a uma cer-
           lia, que julgo teriam afinidades alentejanas com o “Tonho”   ta personalidade, em Lisboa. E tal era o empenho de que
           e que por isso iriam assegurar um reforço de alimentação   essa entrega tivesse lugar em tempo oportuno, que o re-
           ao rapaz, cozinhando as galinhas e convidando-o para os   cado foi passado a escrito, em envelope fechado, para que
           subsequentes repastos.                             não houvesse qualquer possibilidade do “Tonho” se equi-
                                                              vocar na prestação do serviço.
                                                                 O azar foi que o referido envelope, por certo para que
                                                              não houvesse a possibilidade de qualquer extravio, tenha
                                                              sido colocado no fundo da embalagem transportadora de
                                                              tão especial iguaria, donde resultou (Oh! Céus!...) que o
                                                              “Tonho”  só  deu  pela  tão  importante  mensagem  que  o
                                                              envelope  continha  depois  de  ter  trinchado  e  degustado
                                                              com os amigos do costume o pitéu que lhes não era des-
                                                              tinado!
                                                                 Por aquilo que eu me ri na altura (ainda que nunca
                                                              perante  o “Tonho”  que  não  apreciava  nada  ser  gozado,
                                                              principalmente pelos mais novos) apesar de nunca mais
                                                              o ter visto e de nem sequer saber mais nada a seu res-
                                                              peito,  faço  os  melhores  votos  para  que  se  encontre  de
              Só que, segundo relatos de outros pilões alentejanos   boa  saúde  e  disposição,  nos  seus  oitenta  anos  a  que  já
           que  tinham  igualmente  regressado  no  mesmo  comboio   chegou, desejando que, se ler estas linhas, se sinta bem
           até  ao  Barreiro  e  atravessado  o Tejo  de  barco  com  ele,   disposto  por  continuar  a  ser  lembrado  pelos  pilões  do
           teriam assistido à fuga das galinhas do cesto, que se abri-  seu  tempo,  que  continuam,  gostosamente,  a  lembrar-se
           ra por acaso, ou por esforço das ditas, fartas de se encon-  dele!
           trarem encarceradas naquelas diminutas condições, esta-
           belecendo um ambiente circense, chamemos-lhe assim, no
           amplo  espaço  proporcionado  pela  gare  da  Estação  do
           Terreiro do Paço, com o “Tonho”, fardado de nº 1, a correr
           atrás delas tão aflito que rapidamente angariou a solida-
           riedade de grande parte dos muitos passageiros que, no
           mesmo barco, com ele tinham atravessado o Tejo, e que
           o ajudaram a recuperar as ditas, terminando a faina com
           imensas gargalhadas e manifestações de solidariedade para
           com o rapaz.



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