Page 12 - Boletim numero 260 da APE
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CULTURA E CONHECIMENTO BOLETIM APE | JAN/MAR 2021 A Saúde Mental na
Pandemia da COVID-19 (1)
Vivemos um período de enorme incerteza e enfrenta- mos uma ameaça nunca antes experimentada. Tem características que a tornam difícil de suportar, é invi- sível e universal. As estratégias utilizadas, como a evitação ou a fuga, são impossíveis e como atinge todos é muito mais ameaçadora. Isto tem consequências nefastas, sendo natu- ral a reação de apreensão, ansiedade, medo e revolta. As si- tuações de confinamento, de quarentena ou de isolamento aumentam estes sentimentos negativos. Conforme o tempo passa, o número de infetados e mortos aumenta. Não deve existir ninguém que não conheça quem tenha sido infetado, internado ou falecido devido à COVID-19. Deverão ser raras as famílias que não tenham sido afetadas economicamente ou que a estabilidade profissional de algum dos seus mem- bros não tenha sido ameaçada.
Estão reunidas as condições para que as emoções negati- vas e os sentimentos de apreensão se transformem em pro- blemas de saúde mental. Deve ser salientado que, antes da pandemia da COVID-19, Portugal era dos países Europeus com maiores taxas de doenças mentais, apenas suplantado pela Irlanda. Um em cada cinco Portugueses tinham uma doença mental, sendo as mais frequentes a ansiedade e a de- pressão. Portugal é, igualmente, dos países Europeus com consumos mais elevados de tranquilizantes e antidepressi- vos. Os problemas de saúde mental influenciam todas as fai- xas etárias, crianças, adolescentes e adultos.
Os jovens têm um risco menor de infeção e das conse- quências físicas da COVID-19, apresentando quadros assinto- máticos e de gravidade menor. Um estudo efetuado na Chi- na, de 16 de janeiro a 8 de fevereiro, publicado em 2020 na revista Pediatrics, analisou 2 135 pacientes com menos de 18 anos suspeitos de COVID-19. Em 34,1% o diagnóstico foi con- firmado laboratorialmente. A idade média dos infetados foi de 7 anos, variando de 1 dia de vida aos 18 anos. Destes um morreu, apresentando a maioria sintomas ligeiros. Os sinto- mas severos ou críticos verificaram-se em 5,8%.
Porém, os efeitos no desenvolvimento e saúde mental não podem ser minimizados. A UNICEF considerou que o im- pacto pode durar a vida inteira. São ainda salientar que os jo- vens são, especialmente, sensíveis às situações de conflito familiar e às limitações no contato com os colegas, amigos e professores impostas pelo fecho das escolas. Para além dos efeitos na educação, tem efeitos negativos no desenvolvi- mento físico, uma vez que estão seriamente limitadas a práti- ca de atividades desportivas e recreativas. Isto acontece nas alturas em que o cérebro passa por períodos fundamentais para o estabelecimento da sua arquitetura na idade adulta.
Não é assim de admirar que mais de metade das doenças mentais tenham início antes dos 14 anos e três quartos antes dos 24 anos. Os stresses que acontecem nesses períodos têm efeitos negativos no desenvolvimento normal do cére- bro, determinam as perturbações, e aceleram o curso e a se- veridade dos sintomas e doenças mentais. A isto deve acres- centar-se que o início é, habitualmente, gradual e insidioso, que as formas de apresentação são ligeiras e negligenciadas
pelos adultos. Chamam à atenção anos mais tarde, na idade adulta, quando estão instaladas de modo crónico e é por isso que o tratamento só é procurado nessa altura.
É previsível que surjam ou que se prolonguem problemas no controlo dos esfíncteres, como a enurese e a encoprese, birras, perturbações do medo e da ansiedade, perturbações obsessivo-compulsivas, reações traumáticas, comportamen- to agitado e desorganizado, dificuldades no sono, dificulda- des no controlo dos impulsos e comportamentos agressivos, dependências de substâncias, e depressão, ideação e tentati- vas de suicídio. As várias alterações dependem da faixa etá- ria. Nas crianças mais novas manifestam-se por comporta- mentos de perda de controle dos esfíncteres, por exemplo, passar a fazer chichi na cama, pelo desenvolvimento de me- dos excessivos, de birras, crises de choro, dificuldades em dormir só e perturbações de ansiedade de separação. Os adolescentes têm maior probabilidade de desenvolverem comportamentos de automutilação, depressão ou compor- tamentos de risco, como beber álcool, utilizar drogas ilícitas e de fazerem utilizações excessivas da Internet. Apesar de, com a passagem do tempo, terem tendência a diminuir irão dar origem a perturbações de duração prolongada. Uma in- vestigação publicada em 2016 na revista Social Science and Medicine, analisou os efeitos das catástrofes naturais, como incêndios, tornados, inundações, tremores de terra e fura- cões, mostrou que estas experiências antes dos 5 anos au- mentam o risco de desenvolvimento de doenças mentais, em especial das perturbações ansiosas na idade adulta, entre os 21 e os 65 anos. Durante a pandemia da COVID-19 foram estudados na China, no período de 28 de fevereiro a 5 de março, 2330 estudantes do 2o ao 6o ano. Os resultados publi- cados em 2020 na revista Journal of the American Medical Association Pediatrics demonstraram que 22.6% apresenta- vam sintomas depressivos e 18.9% sintomas ansiosos.
Nos adultos são esperados um conjunto de alterações na saúde mental. As perturbações ansiosas como a perturbação de ansiedade generalizada, em que se anda constantemente preocupado, ou a perturbação de pânico, em que se pensa que se pode morrer, enlouquecer, desmaiar ou perder o con- trolo, com dificuldades em entrar em transportes públicos, locais fechados ou com muita gente. A perturbação obsessi- va-compulsiva em que se anda constantemente a pensar em todos os possíveis modos de evitar a infeção e a efetuar com- plexos rituais de limpeza, lavagem e desinfeção. A ansiedade em relação à saúde ou hipocondria em que os sinais normais do corpo são interpretados como estando infetado, verifi- cando, vezes sem conta, a temperatura do corpo. Na socie- dade atual, com as modernas tecnologias, estes comporta- mentos designam-se por ciberhipocondria, a excessiva procura de informação sobre as doenças na Internet. As no- vas tecnologias têm um papel fundamental durante os confi- namentos possibilitando manter a escola, as ligações sociais e o entretenimento para os jovens, os contatos sociais e a atividade profissional para os adultos. Mas podem ter efeitos negativos como o desenvolvimento de perturbações do
Américo Baptista* 19650086
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