Page 6 - Boletim numero 257 da APE

CrÓniCas
2. EquIPAmEntO DE PrOtEçãO InDIVIDuAl (EPI)
No início da pandemia, foram várias as queixas das equi- pas de saúde ampliadas pelos Sindicatos em relação às no- táveis deficiências de disponibilidade dos EPI. Este descon- forto é compreensível, já que os EPI são fundamentais para a proteção individual de cada profissional de saúde e dos doentes a cargo destes. Não é, no entanto, por si só suficien- te. Além da disponibilidade nem sempre garantida do EPI, é necessária literacia e capacitação para a sua utilização, orientações específicas e organização dos serviços para que promovam um uso adequado.
Dos países vizinhos chegaram desde cedo imagens e da- dos que apontavam para elevadas taxas de infeção em pro- fissionais de saúde, mostrando desde logo o perigo destes virem a ser vítimas diretas da pandemia. Mais grave ainda, foi a desvalorização de pedidos e das denúncias da falta de disponibilidade de EPI em unidades de saúde, com a justifi- cação de aproveitamento político.
3. ImPACtO ECOnómICO E SOCIAl
O efeito económico da pandemia e o impacto social das medidas de distanciamento começam agora a ser descorti- nadas globalmente, mas há efeitos específicos com particu- lar impacto nos profissionais de saúde e suas famílias.
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Muitos viram-se, por exemplo, sem o seu trabalho e fonte de rendimento habituais (caso prestem maioritaria- mente cuidados de saúde considerados “não essenciais”, ou trabalhem em vários locais), ou foram obrigados a sair de casa (para proteger a família mais próxima de uma pos- sível infeção), ou a isolar-se das suas famílias por tempo indeterminado. Os sentimentos de dever para com os do- entes entraram assim em conflito direto com os deveres com amigos, familiares ou outros dependentes.
Outro fator, foi a reorganização dos próprios serviços. Ainda que temporária, não dar a resposta adequada a mui- tas outras condições de saúde habitualmente necessária tem também impacto sério nos profissionais de saúde e na maneira como estes encaram a sua responsabilidade com os doentes. Em 2014 na África Ocidental, por exemplo, a resposta à epidemia do Ébola fez com que houvesse um ex- cesso de mortalidade estimada em 10.000 mortes por hIV, malária e tuberculose, só na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa. Em Portugal haverá tempo para fazer esta avaliação, mas estimativas preliminares da Escola Nacional de Saúde Pública apontam já para algum impacto considerável.
4. EfEItOS PSICOlógICOS, mEDO E SAúDE mEntAl, InCluInDO tOmADAS DE DECISãO nO lImItE
Os profissionais de saúde também são humanos e não são imunes aos receios e medos que afetam a restante po- pulação. Sentem o mesmo medo da doença, de a contrair ou de a transmitir indiretamente, ou ainda que um familiar fique infetado.
Mas há também o medo de falhar na prestação de cui- dados a pessoas com COVID-19, algumas das quais morre- rão.
um estudo realizado na China, em hospitais que tratam COVID-19, mostrou taxas elevadas de depressão, angústia e insónia. Culpa, raiva, ansiedade e medo diminuem o de- sempenho dos profissionais e levam ao agravamento des- ses próprios sentimentos num círculo vicioso. E se as condi- ções de trabalho já eram bastante criticadas pré-pandemia, não se esperam agora ambientes propícios em que os sen- timentos e medos dos profissionais podem ser admitidos e reduzidos, ambiente esse fundamental para evitar a escala- da de sintomas incluindo esgotamento e burnout que po- dem mesmo levar ao suicídio.
Por fim, muitos profissionais de saúde estão a trabalhar em claro excesso e a realizar atividades fora das suas fun- ções normais. De facto, à medida que a resposta à pande- mia aumentou, a imprevisibilidade associada ao trabalho tem sido proporcional. E apesar dos profissionais de saúde serem treinados para lidar com mudanças e cenários de pressão a curto prazo, encarar estas circunstâncias repeti- damente e sem aparente fim pode trazer consequências a médio e longo prazo.
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* Médico Especialista de Saúde Pública