Page 10 - Boletim numero 257 da APE
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CULTURA E CONhECIMENTO
Estrela lusitânia
tem um planeta
chamado Viriato
Alexandre Correia*
(Dep. Física univ. Coimbra)
todos os planetas e principais luas do nosso sistema so- lar possuem um nome. O mesmo acontece com as es- trelas mais brilhantes do céu noturno. Para os objetos conhecidos desde a antiguidade, esses nomes foram muitas vezes atribuídos em homenagem a personagens místicas. Para os objetos descobertos mais recentemente, os nomes são decididos pela união Astronómica Internacional (IAu), que reúne astrónomos de todo o mundo.
Na nossa galáxia existem mais de 100 mil milhões de estrelas, ou seja, cerca de 20 vezes mais estrelas que as pes- soas que vivem atualmente na Terra. Estima-se ainda que todas essas estrelas devam possuir um ou mais planetas. É por isso completamente impossível atribuir um nome a cada uma dessas estrelas e respetivos planetas. A forma que a co- munidade científica encontrou para distinguir uma estrela de outra, foi a mesma que o Instituto de Mobilidade e Transpor- tes (IMT) usa para identificar os automóveis: a atribuição de uma matrícula.
Sempre que uma nova estrela é descoberta, ela é catalo- gada da seguinte forma: primeiro algumas letras correspon- dentes ao telescópio que a descobriu (ou ao catálogo onde foi registada), de seguida um número de série. Por exemplo, a estrela HIP 57050 é a estrela número 57050 observada pelo satélite Hipparcos, que entre 1989 e 1993 andou a medir a posição de estrelas. A estrela HD 45652 é a estrela número 45652 do catálogo realizado por henry Draper, um astrónomo americano que entre 1918 e 1924 estudou 225 300 estrelas!
Em relação aos planetas, o procedimento é semelhante. Recebe o nome da estrela em torno do qual orbita, acrescido de uma letra do alfabeto. A letra “a” está reservada para a estrela, por isso os planetas recebem as letras “b”, “c”, “d” e assim sucessivamente, por ordem de descoberta (e não por ordem de proximidade). Ou seja, HIP 57050 a, é o nome com- pleto da estrela que compõe o sistema HIP 57050, em torno da qual foram já descobertos dois planetas, HIP 57050 b, des- coberto em 2010, e HIP 57050 c, descoberto em 2017.
Esta forma de referenciar estrelas e planetas é bastante prática, mas obviamente muito pouco romântica. Já vimos que é impossível nomear todos os corpos celestes devido ao seu elevado número, mas em alguns casos a IAu abre exce-
ções. Foi, por exemplo, o caso do primeiro planeta a ser des- coberto, 51 Peg b. A descoberta ocorreu em 1995 (ver Bole- tim #255), mas 20 anos depois (em 2015), a IAu lançou uma campanha internacional para nomear os primeiros planetas conhecidos. Assim, a estrela, 51 Peg, passou a chamar-se Helvetios e o planeta, 51 Peg b, recebeu o nome de Dimi- dium. O nome da estrela homenageia a Suíça, país onde foi feita a descoberta, e o nome do planeta designa “metade” em latim, e foi escolhido por o planeta ter cerca de metade da massa de Júpiter.
Em 2019 a IAu lançou uma nova campanha para nomear estrelas com planetas, desta vez para comemorar o seu cen- tésimo aniversário (http://www.nameexoworlds.iau.org/). à semelhança de 2015, foram escolhidos vários sistemas, um para cada um dos 110 países participantes. A Portugal foi-nos atribuída a estrela HD 45652, e o planeta, HD 45652 b. A esco- lha deste sistema deveu-se ao facto do planeta ter sido desco- berto em 2008 por Nuno Santos, um astrónomo português.
Foram recebidas 65 propostas de nomes (por exemplo, Boa Esperança e Adamastor, Lusíadas e Tongoenabiago, Sa- gres e Astrolábio, Saudade e Fado, Tágide e Caravela, etc.). Após uma votação de mais de 5000 pessoas, os nomes esco- lhidos foram Lusitânia para a estrela e Viriato para o planeta. Esta proposta foi feita de forma independente pela Escola Secundária Carlos Amarante (Braga), pela Escola EBI Gualdim Pais (Pombal) e pelo Agrupamento de Escolas do Castelo da Maia (Maia).
Assim, desde o dia 17 de dezembro de 2019, existe na constelação do Unicórnio uma estrela chamada Lusitânia. Esta estrela tem 83% da massa do Sol e fica a 114 anos-luz da Terra. Em torno de si, orbita um planeta chamado Viriato. É um pla- neta com cerca de metade da massa de Júpiter, que completa uma órbita a cada 44 dias. Podem existir outros planetas em torno de Lusitânia, mas para já não conhecidos. Se gostou des- ta iniciativa, esteja atento, pois de futuro a IAu deverá lançar novas campanhas para nomear planetas. quem sabe se um deles não vai receber um nome proposto por si?
(*) Alexandre C. M. Correia
Professor Associado – Departamento de Física – FCTuC
Grau: – universidade de Lisboa 1997: “Licenciatura” (B.Sc) em Física;
– universidade de Paris VII / Observatório de Paris, 1998: “DEA” (M.Sc) – Astrofisica;
– universidade de Paris VII / Observatório de Paris, 2001: PhD – Dinâ- mica do Sistema Solar;
– universidade de Genova / Observatório de Genebra, 2003: Pós- -doutoramento – Exoplanets;
– universidade de Aveiro, 2014, “Agregação” (habilitação) em Física.
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