Page 7 - Anexo do Boletim 253 da APE
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   - Para começarem depois de eu sair do teu gabinete! O homem ia desmaiando.
- O quê? - Perguntou ele com as mãos apoiadas na
mesa.
- Têm que ser, mesmo, já?
- Têm! Se for necessário, eu compenso na semana
seguinte.
E, sem ter grandes alternativas, lá me autorizou. Desejou-me boas férias e, mesmo antes de sair,
enquanto abanava a cabeça, retorquiu:
- És mesmo do Sul!
- Pois sou... e escusas de tentar compreender, porque
vocês são arrumadinhos demais para perceberem que a vida, às vezes, merece a alteração de todas as prioridades. E ele lá ficou, a sorrir e a pensar num mote que, anos mais tarde, quando me vim embora, ainda serviu de tema
para uma boa conversa.
De regresso ao meu lugar e ao último gole de café, fiz
as chamadas necessárias a conseguir estar no aeroporto Humberto Delgado, antes do meu amigo e da trupe que o acompanhava.
Às nove da manhã do dia seguinte, porta dentro, a algazarra que me fez juntar a eles e os retroactivos dos abraços que ficaram por dar em dias de Inverno. Apresentações feitas, fiquei a saber que a Mena, esposa do Manel, ficou incumbida de encobrir a minha ausência nas conferências e de me trazer o respectivo diploma, que ainda guardo como quem guarda uma jóia.
Blá, Blá, Blá... Dr. Ramiro Nolasco, aquele bandido, para conseguir que eu os pudesse acompanhar, inscreveu-me como médico da sua clínica... Deus o tenha ou o Diabo, onde ele estiver que consiga fazer sorrir quem o rodeia.
Entrámos para um avião da quase recém-nascida TACV e, quatro horas depois, o aviso para apertarmos os cintos que iríamos aterrar.
Nisto, o comandante informa que iria ter que tomar algumas medidas que poderiam tornar a aterragem menos confortável, uma vez que o Sal estava com uma tempestade de areia. Como se não bastasse a desconfiança que uma situação especial, num voo de uma companhia africana, pode incutir, os comissários de bordo, aproximaram-se de algumas vigias e comentavam entre eles, em voz que todos pudemos ouvir:
- Nunca vi nada assim!
- Nem eu!
Silêncio absoluto! Dos passageiros, nem um pio... a não
ser do Manuel, claro:
- Espero que o "gajo" meta motores nisto... senão,
vamos abanar mais do que o shaker do meu barman. Escusado será dizer que, não importa para quem eu olhasse, via um bom par de olhos esbugalhados, fixos nas costas do assento da frente, mãos cerradas sobre as pernas, a fingirem que agarravam uma coisa qualquer como se fosse a última relíquia do reino ou, então, soltas
pela testa em rezas apressadas.
... E o Manuel, ao meu lado, não se calava:
- Estava a ver que não! (Começava-se a sentir a
aceleração dos motores.)
- Agora, vamos ver se ele tem mãozinhas para pôr o
pássaro no chão! - Reforçou o meu amigo, sob o olhar repreensivo de quem nos rodeava.
PALAVRAS SOLTAS
Aproximação à pista e, depois de um tocar e andar, ainda na mesma descida, rodas no chão e uma travagem, a fundo, que nos fez encostar as testas ao banco da frente e a paragem... ainda no meio do silêncio, o Manel, claro:
- Já podem desencravar as unhas do chão, que o avião já parou!
Gargalhada total!
- Por favor, mantenham-se nos vossos lugares, que o comandante gostaria de vos dirigir algumas palavras.
E sai o Comandante da cabine, fica em pé lá frente e, educadamente, pediu desculpa pelo transtorno que justificou não poder ser de outra forma para que a aterragem fosse em segurança.
Logo de seguida, de novo, o Manuel:
Oh Zé! Podias ter dito que eras tu que vinhas a conduzir o animal, ter-se-iam poupado algumas cuecas! (Tinham sido colegas na FAP.)
E, ordeiramente, lá saímos... direitinhos a um monte de burocracias que foram devidamente agilizadas pela vontade de receber gente e pela musa, cabrita, de 1,80 m de altura mais tacões, com uma micro-saia e que foi enviada pelo hotel que nos ia receber, com o papel de ser nossa guia.
No percurso para o autocarro, ainda dentro do aeroporto, com a preocupação de não perder pitada do que aquele bandido vinha a dizer à nossa guia, esqueci-me que tinha pés e, numa fracção de segundo, passei do estado "erectus" à posição de quem encosta o ouvido à linha para ver se vem lá o comboio.
- Rasteirinho! És mesmo provinciano! O que tu inventas para veres até onde vão as pernas da miúda! Não lhe levem a mal, coitado; viveu, desde pequenino, só com homens e, agora, cada vez que vê uma mulher, fica neste estado. - E disse-o em alto e bom som.
Grande bandido! A partir desse momento, a miúda, quando eu lhe dirigia a palavra, mesmo que estivesse de pé, fechava as pernas.
Meia hora de viagem até ao hotel, aproveitada para nos serem transmitidos alguns conselhos e, como não poderia deixar de ser, algumas perguntas sobre animais que nos pudessem pôr em perigo.
- Só no mar, dizia ela!
- O quê? Tubarões?
- Sim, temos tubarões, mas não temos nenhum caso de
ataque nas praias turísticas. Tenham, apenas, o cuidado de não se afastarem muito.
Enfim, o normal, mas o nosso palhaço de serviço, não poderia ficar calado:
- Então e os tubarões chatos?
- Tubarões chatos? Nunca ouvi falar!
- Ai não? Eles são achatados e de nada serve ir só
molhar os pés... eles conseguem nadar com um palmo de água.
Confusão gerada. A guia não conseguiu dizer mais nada. - Estás a brincar! Não estás?
- Achas? Achas que eu brinco com coisas sérias? Se
achas, arrisca.
- Estar aqui e não poder pôr um pé na água... que coisa! - Nem na areia molhada, eles ganham velocidade e
enfiam-se debaixo da areia. São mesmo chatos! Chegámos, instalámo-nos e, sempre neste tipo de registo, as férias correram como esperado: Eles em
Anexo Digital ao Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • abril a junho | 6









































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