Page 15 - Boletim Nº 254 da APE
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OS NOSSOS PROFISSIONAIS
A História da Minha Vida “Uma mão cheia de coisa nenhuma”
Paulo Jorge Mendes da Costa
19800421
Confesso que apesar de ter anuído ao convite da nova equipa editorial do Boletim da APE, a qual saúdo com um enorme Salvé por ter abraçado o desafio e porque acredito que muito contribuirá para o engrandeci- mento da APE e dos Pupilos do Exército, me arrependi mal desliguei o telefone. Primeiro, porque sou reservado e te- nho mantido ao longo da vida os aspectos pessoais afectos à esfera da vida privada e acessíveis apenas aos que a parti- lham de forma muito próxima. Segundo, porque depois de fazer uma breve retrospectiva do meu percurso de vida, quer em termos pessoais, quer em termos profissionais, acabei com “uma mão cheia de coisa nenhuma”.
“uma mão cheia”, porque chegado ao meio século de vida posso dizer que esses 50 anos foram repletos de expe- riências e vivências extraordinárias e imensamente gratifi- cantes, sempre temperadas com as inevitáveis contrarieda- des da vida para que possamos continuar a valorizar o que de melhor esta tem para oferecer.
“De coisa nenhuma”, porque tudo isso apenas é relevan- te para mim e para os que se atreveram a viver a vida a meu lado por vontade própria como é o caso da Célia, a minha querida mulher e companheira de aventuras e desventuras, ou porque tropeçaram nela, como é o caso dos meus filhos, a Leonor e o Diogo, assim como os inúmeros amigos que foram chegando e partindo ao ritmo desta enorme orques- tra que é a vida.
O convite foi aceite e resta agora trazer a estas linhas a tal “mão cheia de coisa nenhuma”.
Sempre fui um miúdo com uma mente inquieta e que ao contrário dos outros nunca ultrapassou a idade dos “por- quês”. Se para a maioria da canalha era suficiente andar pe- las ruas aos pontapés a uma bola ou a empinar papagaios de papel, para mim o fascínio era tentar perceber porque é que a bola fazia aqueles efeitos esquisitos ou como é que um amontoado de papel-de-seda, cola e canas conseguia descrever curvas malucas no ar.
Se a escola primária me proporcionou as primeiras ferra- mentas para poder satisfazer as infindáveis perguntas que efervesciam constantemente na minha cabeça, as restantes etapas do meu percurso académico limitaram-se a destruir o sonho de que a “escola” me iria permitir finalmente com- preender o mundo e descobrir os seus segredos.
A minha entrada no Pilão em 1980 marcou de forma profunda a minha juventude, condicionou o meu percurso de vida e moldou o adulto de hoje (condicionou também a vida dos meus dois irmãos mais novos, o 19830566 e o 19860471). Se por um lado, a “escola” não me marcou nem me permitiu descobrir os segredos do universo, a “casa” permitiu-me crescer amparado por valores estruturantes no seio de uma grande “família”, beneficiando de uma enorme multiplicidade de formas de ser e de estar.
Se as aulas, ministradas na sua maioria em tons mono- córdicos e pouco orientadas para aprendizagens significati- vas, não prendiam a minha atenção, o ambiente de interna- to e a camaradagem permitiam-me sonhar e passar por experiências tão ricas e vibrantes como a própria juventude. Foi nesta “casa” que se cunharam em mim os valores que hoje me definem como homem, como marido, como pai, como profissional e como cidadão.
Contudo, um retundo chumbo no 10o ano empurra-me para uma escola pública onde a indefinição do caminho aca- démico se acentuou e a antipatia por um sistema de ensino moribundo e conservado em naftalina foi crescendo. Em 1991 ingresso no ISEL no curso de Energia e Sistemas de Po- tência, muito embora nunca quisesse ter sido engenheiro. Dois anos depois ingresso no Instituto Superior de Comuni- cação de Lisboa em Jornalismo. Não me recordo se cheguei a fazer a matrícula mas nunca fui a uma aula.
Em 94 abraço o mundo dos computadores e da Informá- tica de Gestão. Nesse mesmo ano e em simultâneo, ingresso no mercado de trabalho dando aulas de informática (na al- tura uma atividade extracurricular em algumas escolas pri- vadas), a miúdos dos 6 aos 10 anos no Externato das Pedral- vas.
Esta experiência profissional, depressa se transforma numa perspectiva de carreira. Dar aulas preenchia-me, en- tusiasmava-me, desafiava-me. Começo a alargar o número de escolas onde lecciono, ao mesmo tempo que vou criando currículos próprios que vão agradando aos miúdos e aos Conselhos Pedagógicos. O ensino volta a despertar em mim a vontade de aprender, de conhecer as diversas realidades educativas, quer em Portugal, quer no estrangeiro, de co- nhecer correntes e metodologias pedagógicas com foco nas aprendizagens significativas libertas do pó acumulado des- de a Revolução Industrial e do bafio do comodismo. Enqua- dro e integro as novas Tecnologias de Informação e Comuni- cação de forma transversal nos currículos do 1o Ciclo, algo que o Ministério da Educação leva ao papel 18 anos depois. Tinha encontrado finalmente o meu caminho a nível profis- sional.
Boletim da Associação dos Pupilos do Exército • julho a setembro | 13